Professora Marinélia Souza, de Riachão do Jacuipe, doutoranda do CEAO-UFBA, escreve sobre a situação da crack na Bahia e a greve dos professores estaduais que explodiu esta semana. Confira.
Já se tornou “normal” nas escolas públicas de Riachão do Jacuípe (“uma pacata cidade do interior da Bahia com pouco mais de 33 mil habitantes”), a presença de policiais, seja nas imediações das escolas, na calçada, ou dentro das instituições educacionais movidos pelo objetivo de apreender alunos “suspeitos” e drogas.
O crack é parte do cotidiano de uma parcela dos jovens carentes dessa cidade. Essas normalidades me incomodam e é uma das motivações para a escrita desse texto.
Os colegas, servidores públicos, policiais são bem-vindos às escolas que são públicas e que são patrimônio da sociedade baiana.
Triste para mim, como professora, é assistir à prisão de jovens estudantes de 18 ou 28 anos. Sinto-me mal ao ouvir seus colegas de classe comentarem que aqueles (as) vão virar “saco de pancada” na cadeia. Fico indignada quando, na rua, testemunho abordagens violentas.
Desesperador é saber que isso só acontece com jovens pobres, sobretudo, os que estão em cursos de aceleração, no turno noturno. Geralmente são aqueles (as) que trabalham durante o dia e/ou que já estão com a idade escolar defasada... E quando os vejo na BR-324 se prostituindo... Já não é surpresa a notícias de que algum aluno que cumpre pena e precisa da freqüência escolar para prestar contas à justiça, outros ainda que estão faltando às aulas por que estão presos, por que estão jurados de morte, por que são fugitivos... E as mortes...
Nós professores da rede estadual convivemos diariamente com cidadãos e cidadãs que são classificados (as) por nossa sociedade como “drogados(as)”, “maconheiros(as)”, “traficantes”, “assaltantes”, “ex-presidiários”. Esses homens e mulheres são alunos nas escolas, assim como eu e meus colegas somos professores.
À propósito, pergunto ao secretário de Educação do Estado da Bahia: Qual tipo de qualificação está sendo oferecida a nós professores para lidarmos com tal contexto? A formação das(os) alunas (os) dos cursos superiores em licenciatura que são ofertados nas universidades públicas deste estado prepara os futuros professores para lidar com tal público?
Por que nós professores já não recebemos adicional noturno? Por que nós não recebemos adicional por periculosidade? Por quê?!!!
Aniversário de requerimento:
Não vou me ater a tantos porquês, vou falar de um aniversário. No dia 11 de abril de 2012 completou 1 ano que dei entrada num requerimento de licença para cursar o doutorado no CEAO-UFBA, o processo foi indeferido em 14 de março de 2012. Voltou a tramitar na semana do dia 22.03. Não consegui acompanhar na semana subseqüente, aparecia mensagem de erro no portal dos servidores públicos do estado. Na última segunda-feira, acessei o portal e vi que foi reiterada a publicação no Diário Oficial do dia 14 de março- INDEFERIDO!
Em 28 de junho deste ano talvez aconteça outra festa de aniversário: completará 1 ano que solicitei a licença para tratar de interesse particular - licença sem vencimento. O processo foi arquivado!!! O candidato a vereador de Feira de Santana pelo PT, ex-coordenador da DIREC - 02, Beldes Ramos, garantiu que se eu pedisse uma licença sem vencimento, iria sair. Quem saiu foi o coordenador da Direc, Beldes, para fazer campanha!
Tenho colegas que pediram aposentadoria há 2 anos... Outras estão se sacrificando para fazer mestrado em universidades públicas. Conciliam o curso de mestrado na UEFS (Feira de Santana) e na UFBA (Salvador) com 40h semanais em sala de aula em Riachão do Jacuípe. Não tem licenças para os professores!!
O governo federal ainda propagandeou medidas incentivando a juventude a fazer cursos de licenciatura. Quem quer ser professor com essas condições de trabalho? Quem quer continuar professor nessas circunstâncias?
O Governo do Estado da Bahia está tentando me expulsar! Estou cursando doutorado no programa Multidisciplinar em Estudos Étnicos e Africanos / CEAO-UFBA, pesquiso trajetórias de negros em Riachão do Jacuípe e região. Penso que, com a pesquisa que realizo, posso contribuir para a formação desses cidadãos como os demais alunos da escola pública. Há 9 anos ensino e aprendo com eles(as).
Gostar de ser professora:
Estou em greve por que gosto de ser professora. Estou em greve por que aprendo com os alunos do EJA, e por me sentir mal em assistir a polícia levá-los para a delegacia. Mais ainda, por saber que não acontece o mesmo com filhos de juízes e médicos. Esses são usuários, aqueles (alguns de meus alunos) são taxados de traficantes, vagabundos...
Apoiei a greve da polícia por que não admito que nós servidores sejamos tão desrespeitados e extremamente despreparados para lidar com os cidadãos que habitam as margens do que ainda chamamos de sociedade.
Talvez o governador Jacques Wagner PT–BA tenha planejado a compra do alunado e da sociedade com distribuição de fardas escolares...
Talvez o governador Jacques Wagner PT – BA tenha planejado expulsar do magistério público estadual todos aqueles profissionais que decidiram fazer cursos de pós-graduação em universidades públicas. Ele prefere aqueles que compram monografias e simplesmente as enviam para as faculdades particulares à distância. Estas se multiplicam e muito contribuem para a precarização da formação de professores no estado da Bahia.
Ainda bem que a APLB reagiu kkkk! 22,22% e o cumprimento do piso nacional fere a lei de responsabilidade fiscal!
Nossa greve é ilegal! E o crack? Ah! Esse aí, tá liberado... tá licenciado?
Marinélia Sousa da Silva - SEC-BA
Profª. de História Colégio Estadual Maria Dagmar de Miranda
Riachão do Jacuípe-BA
Extraído do Interior Da Bahia
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