Jeremoabo é uma cidade histórica e muito antiga. Durante a
Guerra de Canudos, a cidade serviu de base para uma das companhias do
Exército que atacaram Antonio Conselheiro durante a Guerra de Canudos.
Jeremoabo
também foi palco da repressão ao cangaço, formando em suas comunidades
volantes policiais que perseguiam sem tréguas os cangaceiros, sendo uma
das mais famosas a volante comandada por Zé Rufino, um dos maiores
matadores de cangaceiros. A cidade serviu de repressão ao mesmo tempo em
que foi uma base de proteção através de um dos grandes coronéis daquela
época, o famoso coronel e político João Sá.
Jeremoabo
foi uma das cidades onde mais se entregaram cangaceiros depois da morte
de Lampião, várias fotografias mostram esses cangaceiros na companhia
de padres e policiais. Um dos grupos que se entregou em Jeremoabo foi o
grupo do cangaceiro Criança. Ele aparece em fotografia ao lado de sua
companheira Dulce (ainda viva e residindo em Campinas, São Paulo), Balão
e Zé Sereno.
Criança
depois que foi liberado seguiu para o estado mineiro e posteriormente
até o estado de São Paulo. Pouca coisa ficou gravada sobre esse
cangaceiro e seguindo seu rastro fui encontrar em Jeremoabo, justamente
na cidade de repressão ao cangaceirismo, residindo uma irmã sua.
Com
89 anos de vida, encontra-se lúcida e relembra emotiva dos tempos
árduos quando com apenas 10 anos de idade viu o irmão João entrar para o
cangaço.
Manuel
Lourenço Xavier e Maria Matilde da Conceição, pais de dona Joana,
residiam no sítio Poço Grande, em Macururé, no alto Sertão baiano. Com
as perseguições policiais e os maltrato sofridos, a família teve que
fugir e atravessaram o Rio São Francisco, saindo da Barra próxima a
Curral dos Bois chegando a Belém do São Francisco, Pernambuco, indo por
fim se arrancharem em Santa Maria, povoação entre Belém e Floresta.
Na
fuga para o estado pernambucano a família deixou as criações e em um
dia de sábado João* e os primos Pedro e Feliciano retornaram para tentar
reunir e alimentar os animais. Os três jovens não retornaram no prazo
determinado. Maria Matilde ficou apreensiva com a falta de noticias dos
rapazes.
Em
um dia de feira na cidade de Belém, Maria e a família se encontrou com
Vicente Baldo da Silva, que era irmão da matriarca e tio de João.
Vicente deu a péssima notícia: João e os primos haviam entrado para o
cangaço. Maria chorou copiosamente, a família se abraçou e a
pequenininha Joana, com seus dez anos de idade não compreendia a
situação. Vicente só não contou que foi ele quem ajeitou a entrada dos
jovens para o cangaço.
João ganhou no cangaço o apelido de Criança por ser o mais jovem dos três rapazes, o primo Pedro ficou sendo conhecido como “Canjica” e Feliciano foi apelidado de “Zabelê“.
Dona
Maria estava com os filhos Joana, Luiz Lourenço Xavier, Januário e
Rosendo estavam na Fazenda Pinhão, próximo a Cabrobró e ficaram sabendo
das mortes dos primos Canjica e Zabelê e atravessaram o Rio para
Macururé para confirmarem a notícia. Em Macururé as cabeças dos dois
cangaceiros foram expostas e a pequena Joana foi proibida de olhar os
Troféus Macabros . Confirmado a morte dos dois familiares só restou a
Maria rezar para a proteção do filho João que ainda estava na vida
cangaceira.
Com
a morte de Lampião Criança se entregou em Jeremoabo junto com mais
alguns companheiros. Na cadeia o padre Magalhães aproveitou para
realizar o casamento de Criança e Dulce, o matrimônio sagrada unia sob
as grades da prisão dois bandoleiros das caatingas nordestinas.
Em
1968 Joana seguiu com o filho Dudu até São Paulo para visitarem João, o
ex-cangaceiro Criança. No reencontro João se emocionou ao avistar a
irmã que havia deixado ainda criança.
O
momento serviu para aliviar a saudade que por tanto tempo afligiu
aquela menina-mulher, que em um dia de feira viu sua querida mãe verter
lágrimas pela ausência de um filho amado que seguiu para as hostes do
cangaço e na imensidão das caatingas viu a morte passar próximo e o
sangue manchar a terra seca.
“Dona
Joana, mulher forte, baraúna sertaneja, flor de cacto que aflora mesmo
diante das intempéries, anjo-mulher, que tuas dores sejam aliviadas pelo
simples dom de ser uma mulher que aprendeu a amar a vida sem temer as
adversidades. Tenho muito orgulho de tê-la conhecido, de ter rastreado
suas histórias de vida, de ter conhecido teus segredos tão bem guardados
no cofre da memória”.
Jeremoabo/ Paulo Afonso, dias 23, 24 e 25 de abril de 2012.
**Assim como outros companheiros de cangaço João mudou seu primeiro nome passou a se Chamar “Vitor Rodrigues”.
João de Souza Lima - Historiador/Pesquisador e Escritor. Membro da SBEC- Sociedade Brasileira de estudos do Cangaço, extraído do Interior da Bahia
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