Custodiado no Presídio Salvador, no Complexo Penitenciário da Mata Escura, mandou dois ex-colegas de cadeia até o local em que Romário mora atualmente
Alexandre Lyrio
alexandre.lyrio@redebahia.com.br
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A família achou que ele estava morto, alguns policiais o tratavam como foragido, mas, na verdade, Rosemário Alves Maciel, 24 anos, está preso. O homem que fez o irmão inocente passar 84 dias no xadrez, reapareceu de repente para pedir desculpas e justificar o motivo de ter usado o nome de Romário Alves Maciel, 25, no lugar do seu.
Na verdade, Rosemário não veio pessoalmente. Custodiado no Presídio Salvador, no Complexo Penitenciário da Mata Escura, mandou dois ex-colegas de cadeia até o local em que Romário mora atualmente, na casa da avó, na Cidade Nova. Na tarde de sexta-feira, Romário estava almoçando quando os dois homens chegaram.
“Primeiro fiquei com medo de meu irmão ter mandado eles para me matar. Aí disseram que só queriam dar um recado”, contou Romário. O recado era, enfim, um pedido de desculpas. “Eles disseram que Rosemário estava arrependido do que fez. Se antes eu já perdoava ele, imagine agora”, disse Romário.
Por intermédio dos rapazes, Rosemário, que é conhecido na prisão como Seu Barriga, também tentou justificar o fato de ter usado o nome do irmão quando foi preso, em 2008, por ter roubado um celular, R$ 5 e US$ 1.
“Parece que Rosemário estava jurado de morte por policiais. Quando o cara dá várias entradas na mesma delegacia, o pessoal quer logo ‘queimar’. Já era a quinta vez que ia preso. Com medo de morrer, sem documentos, deu o nome de Romário”, explicou Luiz Araújo, tio dos irmãos.
Semanas depois, Rosemário (preso sob o nome de Romário) conseguiu fugir da Delegacia de Furtos e Roubos, na Baixa do Fiscal. E nunca mais a família soube dele.
Três anos depois, em abril deste ano, Romário brigou com a mulher e foi denunciado por ela por ameaça. Quando os policiais puxaram sua ficha, estava lá o registro do assalto.
Dado como foragido, Romário foi preso no trabalho, na frente dos colegas. O erro foi descoberto a partir do exame das impressões digitais. Após 84 dias , na quinta-feira, Romário foi finalmente solto e recebido com festa no bairro.
Romário foi preso no lugar do irmão (esq.); Tio prova erro em exame (dir)
Coincidência - A assessoria de comunicação da Secretaria de Administração e Ressocialização Penitenciária (Seap) confirmou que Rosemário está no Presídio Salvador desde janeiro do ano passado.
A Seap garantiu, porém, que o crime cometido pelo preso não é o mesmo que levou Romário a ser detido por engano em 25 de abril. É que Rosemário fez outros assaltos. Um deles no início de 2011. É devido a esse crime que ele espera julgamento no Presídio Salvador. A única coincidência entre os dois delitos é que, tanto em 2008 quanto em 2011, Rosemário roubou um celular.
Além de perdoar o irmão, Romário disse ainda que pretende visitá-lo em breve. Quer ter uma conversa olho no olho. “Por enquanto estou me preservando. Ainda consta o meu nome na Justiça. Só vou lá quando tiver tudo resolvido”.
Romário disse ainda que não espera apenas o perdão do irmão, mas também quer ser um apoio para sua reintegração social. “A gente sabe que ele viveu muito tempo na rua usando drogas. Vai ter a minha ajuda se quiser se regenerar”, afirmou.
A vida na cadeia dificilmente vai contribuir para essa regeneração. No recado de Rosemário ao irmão, ele também denunciou que está totalmente desassistido dentro da prisão. “Ele disse que esse tempo todo não apareceu lá nem advogado, nem defensor público e nem a família. Mas, no nosso caso, nem sabíamos que ele estava preso. Achávamos que tinha morrido”, destacou o tio Luiz Araújo.
Embora argumente que os defensores realizam visitas periódicas aos presídios, o defensor em exercício da 5ª Vara Criminal, Antonio Teixeira, reconhece que o número de profissionais é insuficiente para atender às demandas. “Posso dizer que, no mínimo, 85% dos presos dependem da defensoria. Somos o maior escritório de advocacia criminalística da Bahia. A gente tira leite de pedra”, afirmou.
Futuro
O CORREIO tentou ouvir Rosemário em sua cela, no Presídio Salvador. Mas, segundo a assessoria de comunicação da Seap, a entrada da reportagem não foi autorizada pela juíza Andremara dos Santos, responsável pelo caso. A juíza, por sua vez, não deu qualquer justificativa para o impedimento.
Difícil é saber quanto tempo ele ainda passará na cadeia. Além do julgamento pelo roubo do ano passado, o processo de Romário deve passar por revisão criminal.
De volta à vida comum, Romário tenta não se lembrar muito dos dias de cárcere em condições subumanas. “É difícil esquecer, mas a gente tem que levar a vida com a cabeça erguida”, ensina. Não tem saído muito de casa e ainda não voltou ao trabalho na fotocopiadora - apesar de sua patroa ter garantido sua vaga de volta. Ontem, foi a uma loja de motocicletas receber uma moto 50 cilindradas de um pai de santo que diz ter se sensibilizado com sua história.
Quanto à companheira, que o denunciou por ameaça e gerou sua prisão, Romário disse que ainda não conversou. “Por enquanto estou preocupado em sustentar meus filhos”, disse, referindo-se aos gêmeos Gustavo e Guilherme.
Família quer ajuda de advogado na briga por indenização
A família de Romário Alves Maciel vai constituir mais um advogado para que, junto com o defensor Márcio Magalhães, possa processar o Estado e lutar por uma indenização. Logo após a soltura do rapaz, na sexta-feira passada, Magalhães encaminhou pedido de revisão criminal à Justiça, onde também pede a indenização.
Especialistas ouvidos pelo CORREIO confirmam que no caso cabe compensação financeira, mas que ela deve demorar. “O caso revela a fragilidade do aparato policial em apurar a verdade dos fatos. Por isso, cabe a ele buscar o ressarcimento desse prejuízo. Não é o dinheiro que vai compensar, mas vai aplacar um pouco a injustiça”, analisou a vice-presidente da comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), Sara Mercês.
Brigas na Justiça demandam tempo. E o criminalista e integrante do Conselho Nacional de Políticas Criminais do Sistema Penitenciário, do Ministério da Justiça, Milton Jordão, afirma que quando o réu é o Estado a questão fica ainda mais complicada. “É um processo longo e cansativo, que requer muitos recursos. É um erro achar que terá resposta imediata”, alerta.
Por outro lado, ele diz que casos de prisões injustas devem ser sanados. “Isso é possível através da ação de reparação. Se a gente estivesse nos Estados Unidos seriam alguns milhões. A defesa vai ter que demonstrar o prejuízo. O erro foi corrigido, mas não apaga os danos da pessoa ter ficado submetida à prisão e todo o desgaste”, pondera.
Defensor em exercício da 5ª Vara Criminal, Antonio Raimundo Teixeira afirma não restar dúvidas de que o caso merece uma ação indenizatória. Difícil é precisar quanto Romário merece pelos 84 dias trancafiados. “Estipular o dano material é fácil. É só computar os dias que ele ficou sem trabalhar. Já os danos morais têm uma natureza muito subjetiva”.
CNJ vai votar apresentação de preso
Na Bahia para a revisão das inspeções feitas na Justiça, o juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ricardo Chimenti, opinou sobre o caso Romário, que mesmo com provas de que não era criminoso, continuou preso por vários dias até que se cumprisse todas as etapas protocolares da Justiça.
Chimenti antecipou que, devido a casos como esse, está na pauta de votação do próximo dia 30 de julho, no CNJ, a obrigatoriedade de apresentação do preso, em situações especiais, a um juiz. “Nem que seja por videoconferência. Isso é viável em curto prazo e reduz os danos”.
Para o juiz do CNJ, essa medida agilizaria processos e reduziria erros ou demoras nas respostas de questões técnicas, como a identificação através das digitais. “O CNJ recebe denúncias de qualquer cidadão, mas muitos casos chegam através da imprensa e são averiguados pelo conselho”, diz ele, acreditando que o caso Romário cabe processo contra o Estado. “Sabendo por alto já dá para perceber que é um caso que cabe indenização”.
Bahia é líder nacional em atraso de processos
O primeiro dia de revisão das inspeções feitas na Justiça Comum da Bahia pela corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi de avaliação. Segundo Ricardo Chimenti, juiz auxiliar da corregedoria e responsável pela inspeção, o retorno à Bahia após quatro anos da primeira vistoria (em 2008) é por causa dos números ainda altos de processos com atraso de pelo menos 100 dias, que atualmente somam 202.727 processos.
“Retornamos pela terceira vez para acompanhar a evolução desse trabalho e verificar se as medidas adotadas são suficientes. Já se consegue identificar uma redução de 40% no número de processos em aberto, o que ainda coloca a Bahia na liderança em números proporcionais de processos em atraso”, diz Chimenti.
A inspeção conta com uma equipe de 40 pessoas em Salvador, Ilhéus, Juazeiro e Vitória da Conquista. As equipes do CNJ se reúnem com servidores, Defensória Pública, Ministério Público e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia. Segundo Chimenti a principal dificuldade do Judiciário atualmente é no setor pessoal, especialmente no que se refere à distribuição e quantidade de servidores ou terceirizados.
Fonte: Correio // Colaborou Perla Ribeiro
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