Noticia-se que o Governo do Estado do Rio Grande do
Sul estaria idealizando a construção de um presídio exclusivo para dependentes
químicos. Essa é a expectativa do secretário da Segurança Pública, Airton
Michels, durante a apresentação do projeto piloto da penitenciária que pretende
"racionalizar, humanizar e dar mais eficácia à recuperação de presos
viciados em drogas", mas também "mudar a cultura da construção de
cadeias no país", combinando segurança com tratamento. “Não é producente
que usuários de drogas fiquem presos sem receber tratamento”, diz Michels, que
considera o projeto pioneiro no país e espera que ele se torne um padrão para a
construção de novas cadeias.
O Centro de Referência para Privados de Liberdade
Usuários de Álcool e Outras Drogas (como a unidade foi batizada) será destinado
para pequenos traficantes do regime fechado. “É aquele usuário que entrou para
o tráfico apenas para sustentar o seu próprio vício e, em muitos casos, acaba
cometendo outros delitos, como pequenos furtos”, explicou Michels.
Pensamos que o Governador Tarso Genro deva vetar isso
imediatamente. Onde encontramos explicação para o fato de um Governo gastar
milhões de reais na construção de mais um presídio, que sabidamente constitui a
universidade do crime? No populismo penal, que é a política criminal posta em
marcha no nosso país nos últimos 30 anos. Acredita-se cegamente que o presídio
constitui a solução para a criminalidade.
Fundada nesta lógica encarceradora, só resta descobrir
o inimigo comum coletivo que deve ser eleito para superpovoar os cubículos do
extermínio. É preciso que o escolhido preencha o protótipo daquele ser violento
que ameaça a segurança individual e coletiva, protótipo esse bem delineado pela
mídia. Eleito o inimigo, está justificado todo tipo de investimento em
políticas de segurança pública, que fica muito aquém do custo de implantação de
uma verdadeira política preventiva. A política de endurecimento das normas de
natureza penal e do incremento do corpo de agentes públicos de repressão
fomenta o engrandecimento do aparato repressivo, tanto no âmbito estatal como
também no privado: mais pessoas investem mais dinheiro em segurança, alarmes,
cercas elétricas, câmeras, trancas e armas. E o governo investe dinheiro em
presídios, viaturas, policiais etc.
Resultado dessa política: em 1980 tínhamos 11,7 mortes
para cada 100 mil pessoas contra 27,3 em 2010. O Brasil se tornou o campeão
mundial em encarceramento (de 1990 a 2011, mais de 400% de aumento) e a
violência só cresceu! Por que insistir numa política claramente falida?
O Brasil não está necessitando de mais prisão, sim, de
mais educação, mais escolas. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) mostrou que se o Brasil crescer 4% ele necessita de novos 95 mil
engenheiros todos os anos. Mas de acordo com a Associação Brasileira de Ensino
de Engenharia em 2010 foram formados apenas 41 mil engenheiros. Necessitamos,
como se vê, é de mais engenheiros, pesquisadores, professores, tecnólogos,
gestores, profissionais nas áreas de metalurgia, siderurgia, automação,
petróleo, assistentes sociais etc. É disso que o Brasil necessita. Cadeia deve
ficar reservada exclusivamente para os criminosos violentos perversos. Fora
disso, educação, escolas de período integral obrigatório, com internação
compulsória nessas escolas em algumas situações (dos desviados, dos criminosos
não violentos, incluindo-se os de colarinho branco etc.).
Com a expansão desmedida do crime, e suas variedades,
o Governo não tem alternativa que não seja focar na educação e na
ressocialização. Cadeia é cadeia, escola é escola. Não devemos mandar para
aquela, quem está necessitada desta (e não oferece perigo para a sociedade).
Não é exagero falarmos não apenas na ressocialização, mas na busca pela
ressocialização mais adequada a cada categoria de internado (nas escolas).
Assim, conciliaríamos a devida punição estatal com a idealizada ressocialização
do desviado (pobre ou rico, observando que mesmo os ricos sempre têm muita
coisa que aprender: solidariedade, menos individualismo, menos consumismo, mais
filosofia, mais de Deus, mais ética etc.), que deve se conscientizar do seu
erro e não mais delinquir. Somente dessa forma evitaríamos o desperdício do
dinheiro público (que hoje é jogado fora com a agravante de ainda treinar o
criminoso amador para se converter num profissional).
A ressocialização, que é um direito do desviado menor
ou maior, garantido pela lei, inexiste na prática e essa é, sem dúvida, a razão
da reincidência que provoca cada vez mais violência e mortes.
A pena é uma punição sim. Trata-se da resposta do
Estado, que detém o direito de punir aquele que descumpre a lei. Mas a
aplicação da pena sem o caráter pedagógico só permite barbáries e mortes. A
pena não tem que ser cumprida necessariamente em cadeia. Internação em escola
também pode significar cumprimento de uma sanção, porém, com a conotação de
educação.
Voltando a falar mais especificamente sobre a pretensão
do Governo do Rio Grande do Sul em construir presídios para melhor acolher o
dependente químico, por mais elogiável que seja a intenção, não nos parece a
mais adequada. Achamos temerário inovar nessa área tão complexa, quando sabemos
que no país há um segmento que tem Know Haw com êxito em dependência química
que são as Comunidades Terapêuticas.
As Comunidades Terapêuticas, pouco difundidas, porém
proativas há mais de quatro décadas, prestam um relevante serviço à sociedade e
precisam ser ouvidas para evitarmos perda de tempo e de recursos públicos.
Temos mais de 2000 (duas mil) unidades dessas
Comunidades espalhadas pelo Brasil, algumas urgentemente carecendo de adequação
no espaço físico e inclusive de complementar suas equipes multidisciplinares,
sem que haja verba suficiente para esses procedimentos.
Levando-se em consideração a epidemia por cocaína e
crack que coloca o Brasil como o primeiro mercado consumidor dessas drogas, e
que as referidas drogas, mormente o crack, velozmente altera a personalidade e
transforma seres humanos proativos em pessoas repulsivas, não seria mais
apropriado se investíssemos em programas restaurativos já comprovadamente bem
sucedidos?
Quando falamos sobre a necessidade de ouvir a
Comunidade Terapêutica do Brasil é porque além do êxito obtido por meio dos
seus programas há um requisito muito precioso na composição dessas equipes
multidisciplinares que atuam dentro dessas comunidades: a vocação!
Sem abrir mão do imprescindível
conhecimento técnico cientifico as equipes multidisciplinares que atuam nessas
comunidades costumam valorizar a vocação para lidar com pessoas que faz a
diferença no processo de restauração de vidas.
Restauração de pessoas dependentes em
substâncias psicoativas pode ser definida como um processo, difícil,
dispendioso, demorado e doído, porém perfeitamente possível, principalmente
quando conduzido por quem tem familiaridade nessa área.
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino
LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br.
Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado
(1999 a 2001). Siga-me:www.professorlfg.com.br
** Conceição Cinti – Advogada e educadora.
Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com
experiência de mais de três décadas e colunista do www.institutoavantebrasil.com.br
. Siga- me www.educacaorestaurativa.blogsport.com.br
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