Maíra
Zapater - Mestranda em Direitos Humanos (USP). Especialista em Direito Penal (ESMP). |
Dentre as mudanças propostas
no projeto do Novo Código Penal, encontra-se o acréscimo de uma nova modalidade
do crime de ameaça: perseguição obsessiva
ou insidiosa, figura conhecida como stalking.
Ela é descrita como a perseguição reiterada ou continuada a alguém, ameaçando-lhe
a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção
ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou
privacidade.
O
texto legal proposto não traz distinções de gênero referentemente a vítimas e a
agressores. Embora frequentemente se observem afirmações de que as mulheres
seriam vítimas preferenciais, não há estudos estatísticos conclusivos que
demonstrem desproporção de gênero entre as pessoas atingidas pela conduta. Pode-se,
quando muito, fazer uso das artes para ilustrar situações da vida real: o título
deste texto alude ao filme de Adrian Lyne, de 1987, que conta a história de uma
mulher que, após ter sido rejeitada pelo amante, passa a persegui-lo de forma
insistente e violenta, até ser morta por ele. Longe das telas, o médico Farah
Jorge Farah foi condenado pelo homicídio de sua amante, que o perseguira
obsessivamente por anos.
Alice
Bianchini - Doutora em Direito Penal (PUC-SP). Mestre em Direito (UFSC). Editora do Portal www.atualidadesdodireito.com.br. |
A
perseguição obsessiva ou insidiosa pode refletir a progressão da violência no
relacionamento afetivo. Homicídios contra mulheres frequentemente são o ponto
culminante de uma relação obsessiva de dominação e perseguição. É comum a
ocorrência de casos em que se atropelam mesmo decisões judiciais, como o da
cabeleireira Maria Islaine de Morais, que foi assassinada com nove tiros pelo
ex-marido, diante das câmeras que ela mesma instalara em seu salão de beleza, justamente
por receá-lo, dado que se tratava de indivíduo violento e que não aceitava a
separação do casal. A vítima chegou a registrar cinco boletins de ocorrência e
a Justiça havia determinado que o agressor mantivesse distância da ex-mulher.
Não
há dúvida de que possibilitar a punição do agressor ainda na fase da
perseguição obsessiva, como previsto no projeto, pode impedir um ato mais grave.
A tônica, entretanto, quando o assunto é alargar os limites de proteção da
vítima, deve ser a de afastar o raciocínio simplista de que a criminalização
seria suficiente para tal finalidade. É que a criminalização da conduta, por
vezes, dá a impressão, equivocada, de que se estaria, com ela, criando
condições de menor incidência do crime. O que não seria tão grave, não fosse a
posterior consequência: a acomodação da sociedade, que abranda ou mesmo abandona
reivindicações de medidas de fato eficazes para a prevenção do crime. Desta
forma, a mera criminalização da conduta pode levar ao descuido com o tornar
eficaz medidas de proteção, tais quais as trazidas pela Lei Maria da Penha, que
podem criar obrigações aos agressores ou proteger a vítima, incluindo-se a de
manter distância e não contatar a vítima (o que poderia configurar a
perseguição obsessiva). Se o que se pretende salvaguardar é a tranquilidade da
vítima, eliminando-se o risco à sua vida e integridade física, a preocupação
maior deve voltar-se aos meios de efetivação e fiscalização de cumprimento de
tais medidas, como o uso de monitoramento eletrônico e obrigação de
comparecimento periódico em juízo de vítimas e agressores, para informar sobre
o cumprimento da medida, aspectos, infelizmente, bem negligenciados.
Por: Alice Bianchini - Doutora em Direito Penal (PUC-SP). Mestre em Direito (UFSC).
Editora do Portal www.atualidadesdodireito.com.br.
E Maíra Zapater - Mestranda em Direitos Humanos (USP). Especialista em Direito Penal (ESMP).
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