Alice Bianchini* - Maíra Zapater**
Notícia veiculada no site G1-Globo.com traz o vultoso dado de
que mais de mil e quinhentas mulheres denunciaram ter sofrido agressões e
levaram o fato ao conhecimento das autoridades policiais da capital sergipana.
O número foi
contabilizado a partir dos Boletins de Ocorrência registrados na Delegacia da
Mulher, e, como todo dado estatístico extraído de registros policiais, deve ser
questionado sob duplo aspecto: o número de registros representa um crescimento efetivo
dos casos de agressão, ou significa que as mulheres em situação de violência
optaram por romper o silêncio e registrar ocorrências?
Vamos à análise dos
dados apresentados na notícia: segundo
informado pela Delegacia de Proteção a Mulher, no ano de 2010 foram registrados
em Aracaju mais de 2,9 mil BOs, dos quais 564 resultaram em inquéritos
instaurados. Em 2011, registraram-se novamente cerca de 2,9 mil casos, mas com
aumento do número de inquéritos instaurados para 949. Este ano, mais de 1,5 mil
BOs entraram para a estatística do 1º semestre, o que corresponde a
aproximadamente 50% dos totais de casos registrados em cada um dos dois anos
anteriores, permitindo inferir a estimativa de que o índice de aproximadamente
3 mil casos por ano poderá permanecer estável, tomando por base as estatísticas
dos anos de 2010 e 2011.
Partindo-se desta premissa de tendência de estabilidade do
número de registros, é digna de nota a quantidade de 610 inquéritos já
instaurados, contra o total de 564 do ano de 2010 (sendo que já houve tímido
avanço neste ponto no ano de 2011). Isto pode significar uma importante mudança
de mentalidade das autoridades policiais responsáveis pela investigação desse
tipo de ocorrência, pois o penoso movimento feito pela mulher em situação de
violência no sentido de denunciar os abusos sofridos pode ser reduzido a mais
uma folha de papel na pilha da mesa do escrivão de polícia se o inquérito
policial não é instaurado.
Contudo, se há o que celebrar quanto ao maior número de
inquéritos já instaurados em 2012 em Aracaju, o volume de agressões denunciadas
às autoridades ainda pode ser considerado preocupante. Considerando-se que a população
de Aracaju soma 552.365 pessoas
(de acordo com o Censo do IBGE de 2010), 1.500
registros de ocorrências significa que aproximadamente 2,7 % da população total
de Aracaju afirma sofrer violência doméstica. Os
dados são ainda mais preocupantes quando se leva em conga que há aproximadamente 86 homens para cada 100 mulheres na
cidade. A proporção de pessoas agredidas em relação ao universo da população feminina
ganha, portanto, dimensões alarmantes, com fortes indicativos de que muitas
mulheres aracajuanas são agredidas.
Se, de um lado, o 1º semestre de 2012 já conta com 46 inquéritos
policiais instaurados a mais que o total de 2010, ainda assim são apenas 610 inquéritos policiais
instaurados de um total de 1.500 boletins de ocorrência, o que significa
que menos da metade das agressões reportadas pelas mulheres são investigadas.
É fato que a violência praticada contra a mulher, em especial quando
ocorre no âmbito das relações íntimas de afeto, guarda peculiaridades que não
podem ser desprezadas pelas políticas públicas empreendidas para sua
erradicação, pois o ponto de partida para o rompimento do ciclo de violência
depende fundamentalmente de um primeiro movimento da própria mulher, encorajada
a enfrentar situações delicadas com familiares e sentimentos muitas vezes
ambíguos No artigo “Por que as mulheres não
denunciam seus agressores? Com a palavra, a vítima” podem ser encontrados os
motivos da falta de ação de muitas mulheres agredidas[1]. E toda essa energia emocional
empreendida não pode ser desconsiderada e desperdiçada pela autoridade
policial, a quem cabe o papel de protagonizar o segundo momento de
enfrentamento de violência, investigando as notícias crime trazidas pelas
mulheres, ou mesmo quando tal notícia é comunicada por parentes, amigos,
vizinhos ou conhecidos da vítima.
O conteúdo integral da
notícia pode ser acessado em:
Dados da população de
Aracaju – SE disponíveis em:
* Doutora em Direito Penal (PUC-SP). Mestre em Direito (UFSC). Diretora
do Instituto LivroeNet e do Portal www.atualidadesdodireito.com.br. Coordenadora do Curso de Especialização em
Ciências penais da Anhanguera-Uniderp/LFG. Presidenta do IPAN – Instituto
Panamericano de Política Criminal. Blog:
www.atualidadesdodireito.com.br/alicebianchini
**
Mestranda em Direitos Humanos (Faculdade de Direito da USP). Graduada em
Direito (PUC-SP) e Ciências Sociais (FFLCH-USP). Especialista em Direito Penal
(ESMP). Pesquisadora do Núcleo de Antropologia do Direito (NADIR-FFLCH/USP) e
do Instituto LivroeNet.
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