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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Maquiavel já sabia dos mensalões


POR LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
Diante de tanta corrupção no mundo atual (o caso mensalão que o diga) não há como não aceitar a ideia de que devemos prestar atenção no discurso ético. Mas já não é suficiente dirigir mensagens exclusivamente à consciência individual. Toda nossa organização social, econômica e política tem que ser repensada e reestruturada. A perversão moral generalizada nos estimula a pensar em algo mais profundo do que melhorar o ser humano isolado.

No mundo da atual economia globalizada de mercado já se tornou difícil distinguir o que é ganho lícito do que é ganho ilícito. Tudo está se mimetizando (mesclando). Tudo que se ganha com o tráfico de drogas, de armas ou de seres humanos se mescla com ganhos lícitos, o que dificulta sobremaneira a atuação da justiça. Está fazendo muito falta a exemplaridade, sobretudo dos políticos e das elites econômicas, que valeria como guia para o comportamento de todos os demais seres humanos. Na nossa vida pública, quem poderia ser identificado como pessoa exemplar?

Em tempos de mensalão, do PT e do PSDB (o primeiro já está sendo julgado pelo STF, enquanto o segundo aguarda pauta), vale a pena (mais ainda) recordar noções básicas da política e da Ética. A política está no plano do ser (do que é). A Ética mora no plano do dever ser (como as coisas deveriam ser). A Ética diz: não se comprometa com o erro, com o desvio, com o malfeito, com o tratamento desumano das pessoas. Todos nós, que admiramos a Ética e os valores republicanos, gostaríamos que a política seguisse os princípios éticos (que houvesse coerência entre a teoria e a prática). Mas, desgraçadamente, Maquiavel explicou que (a política) não é assim (em O Príncipe). O traço mais característico da política consiste na sua radical autonomia frente à ética e à religião. Entre o “ser” e o “dever ser”, o realismo político (Realpolitik) faz uma clara opção pelo “ser” (pelo que é). Quando coincide a prática com a Ética, tudo bem. Se não coincide, vale o realismo político (porque está em jogo o poder, que deve ser conquistado, mantido e expandido). O exercício do poder, quando não é feito em nome dos interesses da nação, sim, dos ganhos privados, entra em rota de colisão com a Ética.

Por força dos princípios éticos e dos valores republicanos o PT não poderia ter comprado apoio parlamentar de vários partidos nem o PSDB deveria ter feito seu mensalão em Minas Gerais e muito menos conquistado ilicitamente apoio para a emenda da reeleição de Fernando Henrique. Por que os políticos fazem isso?
O líder político, diz Maquiavel, não pode nem deve pautar a sua conduta na condução do Estado do mesmo modo que um indivíduo orienta sua vida privada. Teoricamente não deveria ser assim. Mas assim é, na prática. A luta pela conquista do poder (bem como pela sua manutenção e expansão) fala mais alto. O impulso expansivo e agressivo da natureza humana está na raiz desse realismo político. Maquiavel, em 1513, já explicava como tudo isso funciona (na prática). Por isso que ele é considerado um dos pais da filosofia prática e um dos homens mais sábios de todos os tempos.

*LUIZ FLÁVIO GOMES, 55, doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). 
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