LUIZ
FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
Eliane Castanhêde (Folha de S.
Paulo de 23.10.12, p. A2) escreveu: “Mais que condenar réus tão emblemáticos, o
STF mandou um recado ao país e aos poderosos. A partir de ontem (22.10.12),
criminosos de colarinho branco que se associarem para desvios e assaltos aos
cofres públicos estarão juridicamente nivelados aos PPP (pobres, pretos e
prostitutas) que, historicamente, habitam nossas cadeias”.
No artigo quatro são os “pês”
reconhecidos: pobres, pretos, prostitutas e políticos. A esses temos que
agregar o quinto, que é o “pê” dos policiais, que hoje também representam uma
quantidade expressiva do encarceramento
global.
A novidade, no entanto, é a condenação
de vários emblemáticos (vinte e cinco no total) de uma só vez. O tempo dirá se
essas condenações dos poderosos foram passageiras ou expressão de uma nova
tendência criminal, que estou chamando (no novo livro que escrevi: Populismo penal midiático, no prelo) de
disruptiva.
O
populismo penal conservador clássico se volta contra pessoas estereotipadas e
seus semelhantes. Ambientado em terrenos de prosperidade do capitalismo de
acumulação primitiva (K. Marx) - que resultou agravado desde os anos 90 pelo
neoliberalismo e neoconservadorismo -, ostenta fortes componentes emocionais e
irracionais (vingativos) ao postular, de forma extremista, radical e
fundamentalista, para além de mais vigilância e mais controle da sociedade, o
máximo rigor penal (das leis, das práticas institucionais e da execução penal),
contra alguns criminosos (violentos e/ou estereotipados, incluindo-se os excluídos ou excedentes), da forma
mais rápida, econômica, eficiente e informal possível, como única (ou
tendencialmente única) “solução” para o problema da criminalidade (e da
insegurança).
O estereotipado, desde o final dos anos 80, passou a cumprir
o mesmo papel (de inimigo) que a ameaça ideológica representou para a política
de segurança nacional (nos anos 60, 70 e até meados de 80). O populismo penal
não tem nada a ver com as utopias do comunismo (bem-estar do proletariado) nem
do fascismo ou nazismo (superioridade das raças puras) (Todorov: 2012, p. 156).
O bem que ele promete
(messianicamente) é outro: é o bem-estar da população que seria alcançado por
meio da punição severa, que é alcançada por meio do exercício discriminatório
do poder (ou do biopoder, diria Foucault).
Populismo penal
disruptivo. Paralelamente ao populismo penal
conservador clássico existe também o populismo penal conservador disruptivo, que é assim chamado porque
se volta contra os iguais (ou considerados mais ou menos iguais, gente das
camadas sociais mais elevadas), ou seja, contra os suspeitos das classes
sociais dominantes ou superiores, contra os poderosos, tratando-os, no entanto,
também como desiguais (inimigos). O escopo de punir os poderosos lembra as
teses progressistas da criminologia crítica, dos anos 70 (Taylor, Walton e
Young, autores do clássico Nova
Criminologia, Baratta, Lola etc.), mas não se pode vislumbrar nada de
progressista no populismo penal, que é estruturalmente conservador.
A
bandeira do populismo penal disruptivo é a universalização (ou democratização)
da persecução penal, ou seja, todos devem ser perseguidos criminalmente (não
somente os marginalizados). Ator desse movimento é o legislador disruptivo que,
fundado no princípio da igualdade, tende a aprovar leis com os mesmos rigores
punitivos tradicionalmente reservados para as classes de baixo (underclass) (I Saborit: 2011, p. 85).
Também essa modernização do direito penal, que retrata a expansão extensiva do
direito penal, vem acompanhada de mais punitivismo. Caso ganhe força e
sistematicidade o populismo penal disruptivo tem suficiente energia para
universalizar para todos a incidência do poder punitivo estatal, gerando o
encarceramento não só dos tradicionais 4 pês (pobres, pretos, prostitutas e
polícias), senão também dos políticos (que arrastam com
eles banqueiros, bicheiros, construtores etc.).
*LFG – Jurista e professor.
Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e
coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983),
Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do ICHU NOTÍCIAS.
Neste espaço é proibido comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. Administradores do ICHU NOTÍCIAS pode até retirar, sem prévia notificação, comentários ofensivos e com xingamentos e que não respeitem os critérios impostos neste aviso.