LUIZ FLÁVIO GOMES
(@professorLFG)*
Se o STF flertava - já há algum tempo - com sua
incondicionada adesão à era do populismo penal midiático, típico da sociedade
do espetáculo (Debord), agora não existe mais dúvida. Sejam todos bem-vindos ao
mundo do espetáculo judicial telemidiático.
Como funciona a Justiça telemidiatizada?
Não quero valorar, apenas descrever.
Em primeiro lugar, já não podemos falar em processo, sim, em teleprocesso. Não temos mais juízes,
sim, telejuízes. Não mais sessões,
sim, telesessões. Não mais votos,
sim, televotos. Não mais o público,
sim, teleaudiência. Se no campo das
democracias populistas latinoamericanas o que prepondera é o telepresidente, na era da Justiça telemidiatizada o que temos é o telerelator, telerevisor etc.
Não há dúvida que com o telejulgamento
ganhamos em espetáculo (estética), mas corre-se sempre o risco de se perder em
segurança, porque o poder dos holofotes pode fazer da prudência, do equilíbrio
e da sensatez estrelas que brilham pela ausência.
A Justiça se tornou muito mais percebida. Agora conta com teleaudiência, com rating. Para usar um bordão famoso, nunca na história deste país os
ministros se tornaram conhecidos pelos seus nomes, que estão se transformando em
marcas (estrelas midiáticas) e, dessa forma, começam a ter um alto valor
político-mercadológico.
A espetacularização da Justiça populista não é uma vara mágica que resolva seus conhecidos
problemas, ao contrário, a telejustiça
é muito mais morosa e, tal como uma telenovela,
gasta um semestre para desenvolver o enredo de um teleprocesso (prejudicando o andamento de centenas de outros).
O STF, na sua nova função de telejulgador populista,
está lavando a alma do povo brasileiro (disse um órgão midiático). E também nos
proporciona (como toda televisão) tele-entretenimento,
com acalorados “bate-bocas”, entrecortados por suaves e inteligentes telemensagens de Ayres Britto do tipo “o
voto minerva me enerva”.
A Justiça telemidiatizada
não soluciona o problema do pão da população, mas pode contribuir muito para a
fermentação do circo. Por quê? Porque não se pode esquecer que a liturgia do
populismo penal evoca, antes de tudo, a expressão de uma festa (alegria, júbilo, satisfação), visto que, como dizia Nietzsche,
o sofrimento do inimigo ou do desviado (do devedor), que perturbou a ordem
social ou institucional, sobretudo quando veiculado por meio de algo aproximado
da vingança, traz em seu bojo um incomensurável prazer.
O STF acaba de se sucumbir definitivamente às racionalidades
da sociedade do espetáculo. Resta saber se ainda vão remanescer lampejos de
serenidade para impedir que princípios jurídicos clássicos como o da
legalidade, proibição de retroatividade da lei penal mais severa etc., não se
tornem meros tigres de papel.
Na medida em que a Justiça começa a se comunicar diretamente
com a opinião pública, valendo-se da mídia, ganham notoriedade tanto os rasteiros
anseios populares de justiça (cadeia para todo mundo, prisão preventiva
imediata, recolhimento sem demora dos passaportes dos condenados, fim dos
recursos, ignorem a justiça internacional) como a preocupação de se usar uma
retórica populista, bem mais compreensível pelo “povão” (“réus bandidos”,
“políticos bandoleiros”, “a pena não pode ficar barata”, “Vossa Excelência
advogado para o réu” etc.).
Frenesi generalizado, porque agora o paradigma é outro, é o
emotivo, o voluntarista, o performático. O telejuiz
deixa de ser um terceiro equidistante
para se transformar num ator midiático, daí a lógica dos reiterados
pedidos - entre eles - de réplica e tréplica, que denotam perfil de parte (falando com o seu público).
O maior temor, nesse contexto, é o de que esses novos
personagens da telejustiça deixem de
cumprir o sagrado papel democrático de balança contramajoritária. Não poucas vezes, como sublinha com frequência o
Ministro Gilmar Mendes, para fazer justiça o juiz tem que decidir contra a
vontade da maioria. Mas como contrariar a maioria quando a telejustiça assume a lógica das democracias populistas de opinião?
São novos megadesafios para
os novos super-telejuízes, que ainda
devem recordar que, no campo do direito penal, a convicção de que a voz do povo
é a voz de Deus constitui um risco incomensurável. As balizas da justiça,
quando deixadas sob o comando do povo ou da pura emoção, ficam totalmente cegas
(a história de Jesus Cristo que o diga).
Aos tradicionais quatro “pês” que habitam nossas cadeias
(pobre, preto, prostituta e policiais) a telejustiça
está agregando uma quinta categoria, constituída dos políticos e seus satélites orbitais (banqueiros, bicheiros,
construtores, dirigentes petistas, tucanos privataristas etc.). Não há como não reconhecer que os teleprocessos são altamente politizados.
Mas nem por isso devem revigorar nossa memória, como bem sublinhou Tarso Genro,
sobre a hipotética ou real manchete de um jornal soviético, da era stalinista,
que dizia: “Hoje serão julgados e condenados os assassinos de Kirov”. Será que
a era da telejustiça protagonizada
por super-telejuízes será capaz de
nos proporcionar um mundo melhor e mais justo?
LUIZ FLÁVIO GOMES, 55, doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor
de justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001).
Siga-me: www.professorlfg.com.br
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