POR LUIZ
FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
Em todos os livros de direito penal está escrito que, no
âmbito criminal, havendo empate, resolve-se a dúvida em favor do réu, em favor
da liberdade. Lição clássica do direito penal. Em todas as faculdades do país
ensina-se isso, desde sempre.
Esse é o ensinamento que todo aluno de direito,
no primeiro ano, aprende. Aliás, mesmo fora das faculdades, o “in dubio pro
reo” (quanto há dúvida sobre os fatos ou sobre a valoração dos fatos) assim
como o “in dubio pro libertate” (quando não se reconhece a culpabilidade do
réu) faz parte da cultura geral da nação.
Em todos os habeas corpus julgados pelo STF, havendo empate,
resolveu-se em favor do réu. No RE 596.152/SP, rel. orig. Min.
Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Ayres Britto (13.10.11), houve
empate de cinco a cinco. O Min. Ayres Britto declarou o resultado em favor do
réu. (Clique aqui e confira)
Se o
STF, no âmbito criminal, em caso de empate, sempre declarou o final do
julgamento favorável ao réu, fica fácil concluir o que deve decidir o STF no
caso mensalão ou qualquer outro caso (em todas as situações de empate). A
chance de o STF mudar esse entendimento é praticamente nula, porque aí ele
daria ensejo para ser visto como tribunal de exceção, tal como alguns membros
da direção do PT andaram dizendo.
Vejamos
o disse o STF em outubro de 2011:
“Em conclusão de julgamento, o Plenário, ante empate na
votação, desproveu recurso extraordinário em que se discutia a aplicabilidade,
ou não, da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei
11.343/2006 sobre condenações fixadas com base no art. 12, caput, da Lei
6.368/76, diploma normativo este vigente à época da prática do delito — v.
Informativos 611 e 628. Além disso, assentou-se a manutenção da ordem de habeas
corpus, concedida no STJ em favor do ora recorrido, que originara o recurso.
(...) Por se tratar de pedido de writ na origem e em vista de todos os atuais
Ministros do STF terem votado, resolveu-se aplicar ao caso concreto o presente
resultado por ser mais favorável ao paciente com fundamento no art. 146,
parágrafo único, do RISTF (“Parágrafo único. No julgamento de habeas
corpus e de recursos de habeas corpus proclamar-se-á, na hipótese de empate, a
decisão mais favorável ao paciente”) (...) RE 596152/SP, rel. orig. Min.
Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Ayres Britto, 13.10.2011.
(RE-596152).”
Esta
decisão pode ser um precedente para, agora, a Corte chegar à mesma conclusão no
julgamento da AP 470 - Mensalão. O Regimento Interno do STF não cuidou expressamente
do critério do desempate no caso de ação penal originária (tal como a de n.
470). Há, porém, um outro princípio no direito penal que possibilita, em favor
do réu, a analogia. É a chamada analogia
in bonam partem. Se no caso do HC o empate se resolve em favor do réu, por
analogia, a mesma solução deve valer para o caso de ação penal originária.
O
eminente Min. Marco Aurélio chegou a sugerir (pelo que a mídia informou) que a
solução seria o voto minerva do Presidente. Ousamos apresentar outro ponto de
vista, no sentido de se respeitar o que sempre se ensinou nos cursos de
direitos e nos livros respectivos. Conclusão, no direito penal, havendo dúvida
fundada sobre as provas ou sobre os fatos aplica-se o “in dubio pro reo”.
Havendo empate, sem o reconhecimento da culpabilidade do réu, aplica-se o “in
dubio pro libertate” ou o “favor rei” (Veja Gustavo Badaró). Aguardemos a
decisão final, mas sabendo desde logo que o STF não vai se expor de forma tão
primária a contestações, inclusive internacionais, que realçariam eventuais
ranços de um julgamento de exceção.
Agregue-se,
ademais, que a Convenção Americana de Direitos Humanos, no seu art. 8º, 2,
considera todo réu em processo criminal inocente, até que se comprove o
contrário. Essa prova em sentido contrário tem que ser “para além da dúvida
razoável”. Havendo dúvida ou dúvida razoável, impõe-se a solução absolutória
(“in dubio pro libertate”). O direito ensina isso. Esse ensinamento é da
tradição da cultura jurídica. Vamos ver o que vai ser decidido pelo STF, mas
particularmente não creio que os Senhores Ministros terão coragem de rasgar
mais de 200 anos de tradição liberal no ensino do direito.
*LFG – Jurista e professor.
Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e
coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983),
Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.
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