POR LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
Para
auxiliar sua resposta, vamos repassar o significado da locução “bode
expiatório”, que abarca: (a) alguém que é escolhido para responder por algo que
não fez (e no final acaba inocentado); (b) um inocente que carrega o pecado de
todos e é sacrificado por isso; (c) os culpados sobre os quais descarrega-se a
culpa de todos, que ficam purificados. Vejamos:
(a) é bode
expiatório quem é selecionado (escolhido) para responder por um fato que não
praticou (ou não praticou diretamente). Zombam, maltratam, repudiam, insultam
ou humilham essa pessoa (ou grupo de pessoas), inclusive e, sobretudo, por
meios midiáticos, até que sua inocência vem a ser reconhecida.
De acordo com esse primeiro sentido
não há dúvida de que Luiz Gushiken, por exemplo, cumpriu, no mensalão, o papel
de bode expiatório inocente (que acabou sendo efetivamente inocentado). O
jornalista Washington Araújo bem resumiu essa escabrosa injustiça, sobretudo
midiática: “... para uma imprensa ávida
de sangue e sempre disposta a terçar armas para manter em evidência seu
escândalo da hora, não restou nem a obrigação ética de formular ao “condenado
inocente” um reles pedido de desculpas. O mau jornalismo principia na confusão
mental entre liberdade de expressão e libertinagem de imprensa, e não resiste à
tentação maior de vestir a toga e, a seu bel-prazer, acusar, julgar, condenar. Não
passam, na verdade, de semiprofissionais do jornalismo. Infames, biltres e, em
uma palavra, mequetrefes.” Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5728
(b) bode
expiatório, em seu significado original, advém de um ritual religioso do antigo
povo de Israel, que consistia no seguinte: para purificar a nação, dentre dois
bodes, um era sacrificado pelo sacerdote, junto com um touro, como oferenda a
Deus. O outro (o “bode expiatório”) era sacrificado para descarregar (no
inocente) todas as culpas do povo judeu. Era entregue ao Diabo e abandonado no
deserto, mas acompanhado de insultos e pedradas. Ele carregava todos os pecados
da comunidade, ou seja, carregava todos os desvios e malfeitos da população.
Jesus
Cristo, de acordo com as escrituras, foi um “bode expiatório” nesse segundo
sentido (inocente, que carrega a culpa ou o pecado de todos).
(c) a
esses dois significados nós poderíamos agregar um terceiro: é bode expiatório
aquele que, embora não inocente, cumpre o papel de pagar as culpas da grande
maioria, livrando-a (ao menos momentaneamente) de represálias ou sanções. Os
bodes expiatórios escolhidos são os criminosos, os vândalos, os maus, enquanto
os outros larápios (que desfrutam da festa da vingança) entram na lista dos
meros ilegalismos impunes (como dizia Foucault).
A culpa de
todo mundo é canalizada midiaticamente sobre os ombros de um ou de alguns
culpados. Trata-se de um ritual de purificação dos pecados dos demais ou da
própria mídia. Nesse sentido, todos os réus culpados pelos seus crimes, na
medida em que são devidamente selecionados, são bodes expiatórios porque,
embora culpados, acabam por fazer parte de uma ritualização de exculpação
nacional (dos outros). Descarrega-se nesse bode expiatório a culpa de todos,
gerando um tipo de purificação (da alma, da culpa e dos pecados dos demais).
Salvo
raríssimas exceções, não há partido político no Brasil (pela sua tradição
corruptiva secular e estrutural, que envolve toda a oligarquia composta pelo
Estado, poderes econômicos e alguns políticos) que não tenha feito (ou que não
fará) o que é imputado aos réus do mensalão. Eles, no entanto, são os “bodes
expiatórios” do momento. Por isso, toda atenção neles.
Pagarão
pelas suas culpas (justas e merecidas, diz o discurso penal; dirão a mesma
coisa as sentenças dos Ministros), mas, como todos os bodes expiatórios,
cumprem um outro papel: o de purificação da alma dos demais políticos,
banqueiros ou empresários corruptos, que já fizeram ou farão a mesma coisa e que
só aguardam a vez para (“de alma limpa, purificada”) cumprirem o mesmo papel
(desde que tenha chegado o momento de se transformarem nos novos bodes
expiatórios midiáticos).
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