LUIZ FLÁVIO
GOMES (@professorLFG)*/**
Dentre tantas outras
interrogações e controvérsias que o caso do goleiro Bruno está
gerando, cabe recordar a seguinte: existe homicídio sem cadáver? A
defesa certamente dirá que não. A promotoria vai dizer o contrário.
Os jurados, no final, é que dirão sim ou não.
Eduardo Cabette, no
seu livro Homicídio sem cadáver, p. 63-64, recorda que a
série de documentários intitulada “Detetives Médicos”, do
canal por assinatura “Discovery Chanel”, certa vez narrou um
episódio ocorrido nos Estados Unidos onde um marido matou a própria
esposa, a cortou em pedaços, ensacou em sacos plásticos e a
conduziu até à beira de um rio. Ali a colocou numa picadeira de
feno e, aos poucos, com o jato voltado para o rio, foi se livrando
totalmente do cadáver. Com o sumiço da vítima e a desconfiança
dos sogros, a polícia passou a investigar e suspeitou do fato de o
autor possuir uma máquina picadeira de feno, sendo que não tinha
animais ou mesmo propriedade rural. Feito em exame na máquina foi
constatada a presença de sangue humano e comprovado tratar-se do
sangue da vítima. Pressionado pelas circunstâncias, o infrator
confessou o crime e indicou o local onde havia se livrado do corpo.
Em uma varredura pormenorizada foi localizada uma unha da mão da
vítima; submetida a exames de DNA se comprovou pertencer mesmo a
ela. Com base nessas provas analisadas em conjunto, mesmo sem um
exame necroscópico, foi obtida a condenação do assassino. Este é
certamente um exemplo em que os exames de corpo de delito indiretos
foram capazes de suprir o exame necroscópico direto; nada
justificara o rigor do “limite probatório do corpo de delito”, o
qual somente geraria uma impunidade incompreensível e
injustificável. (CABETTE, Eduardo. Homicídio sem cadáver - páginas
63 e 64)
Ontem indagamos no
nosso blog se é possível condenar alguém por homicídio sem o
corpo da vítima. Muitos se manifestaram dizendo ser possível; não
foram poucos, de outro lado, os que defenderam o contrário.
Tecnicamente (pela lei e pela jurisprudência brasileiras) é
possível tal condenação. Se os jurados, no caso concreto, vão
aceitar essa tese, é outra coisa.
O art. 158 do CPP
exige, como regra, o exame de corpo de delito direto. Diante da sua
impossibilidade, pode ser feito o exame de corpo de delito indireto,
via testemunhas (CPP, art. 167). Uma testemunha pode ter visto o
corpo da vítima e ratificar isso dentro do processo. Se não fosse
possível condenar ninguém diante do desaparecimento do corpo da
vítima, isso significaria impunidade generalizada. Bastaria matar a
vítima e fazer desaparecer o seu corpo.
Caso não haja a
possibilidade de produzir o exame de corpo de delito direto,
excepcionalmente o Estado poderá valer-se do exame de corpo de
delito indireto (filmagens, gravações, vestígios de sangue, prova
testemunhal etc). Lembrando que filmagens, gravações, exame de
sangue etc., também serão analisadas e validadas por peritos,
reforçando a veracidade e legitimidade da prova.
Fica claro que,
teoricamente, não podemos negar a possibilidade de uma condenação
por homicídio sem que tenha sido encontrado o cadáver, mas desde
que estejam presentes outros meios de prova, sobressaindo-se a
testemunhal. Paralelamente a essa prova testemunhal podem existir
outros indícios. No plenário do júri tudo tem que ficar muito bem
esclarecido. Os jurados somente votam pela condenação quando estão
convencidos. Sabem que é melhor absolver um culpado que condenar um
inocente. Em casos como do goleiro Bruno é fundamental a confiança
que cada parte transmite aos jurados.
*LFG – Jurista e
professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do
Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br.
Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998)
e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.professorlfg.com.br.
**Calaborou
Danilo Fernandes – Pós-graduando em direito constitucional na
PUC-SP.
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