O juiz coiteense é conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).
Aqui acolá uma reportagem sobre o juiz de Conceição do Coité ou texto
escrito por ele ganha repercussão nacional. Este, que pode ser lido na
íntegra abaixo, o magistrado escreveu depois que visitou um presidio e
lá estava um dos mais conhecidos criminoso do país, Fernandinho Beira
Mar.
Doutor Gerivaldo Alves Neiva, escreveu para o seu blog no ano
passado, depois enviou para dois sites jurídicos (Justificando e
JusBrasil), que também publicaram, daí chegou até a Carta Capital (Leia
abaixo)
Luiz Fernando (Beira-Mar): esse cara sou eu! Eis o titulo da postagem
Conheci Luiz Fernando da Costa, mais conhecido como Fernandinho
Beira-Mar, em um presídio federal de segurança máxima. Não foi uma longa
conversa, mas deu tempo de ouvir alguns relatos sobre outros presídios
em que já havia cumprido pena, sobre sua vida na prisão, a relação com
agentes penitenciários e diretores, sobre seus estudos e cursos, sobre
um livro que estaria escrevendo e dificuldades com editoras para
publicação e até um dossiê que estaria enviando para a corte
interamericana de direitos humanos, relatando problemas envolvendo sua
condição e com sua família.
Era minha primeira vez, na condição de conselheiro do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que inspecionava
um presídio federal de segurança máxima. [1] Segundo informações do Ministério da Justiça, “cada
Penitenciária Federal possui capacidade para abrigar 208 presos em
celas individuais. Atualmente estão em funcionamento quatro
Penitenciárias Federais – Catanduvas/PR, Campo Grande/MS, Mossoró/RN e
Porto Velho/RO. A quinta penitenciária federal já está construção e será
localizada em Brasília/DF”.
No presídio que inspecionei, estavam custodiados os presos das
milícias do Rio de Janeiro, líderes de uma das facções do presídio de
Pedrinhas (MA), os militares condenados pelo assassinato da juíza
Patrícia Acioli, inclusive o Tenente-Coronel Cláudio Luiz Oliveira,
condenado a 36 anos de prisão pela prática dos crimes de homicídio
qualificado e formação de quadrilha. [2] Além de outros presos que não tive oportunidade de entrevistar e o mais famoso de todos: Luiz Fernando da Costa.
Em companhia de outros conselheiros do CNPCP e de uma equipe do Depen
(Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça),
chegamos ao presídio pela manhã e fomos muito bem recebidos pelo Diretor
e pessoal da administração, que fica em prédio separado, mas dentro do
mesmo complexo de prédios. O acesso ao prédio em que se localizam as
celas é altamente restrito e controlado por câmaras e scanners de alta
precisão. Na verdade, são dois equipamentos a que se submete para ter
acesso às celas. Um primeiro, que permite o acesso à enfermaria e área
de monitoramento do presídio e um segundo para se ter acesso às
galerias.
As celas são individuais e devem medir em torno de 6 metros quadrados
(3m x 2m). Conta com uma cama, bancada, banco e prateleira de cimento. O
vaso sanitário fica ao fundo e protegidos por uma parede de mais ou
menos 1 metro de altura. As portas das celas são de chapa de ferro e
contam com duas pequenas aberturas, sendo uma na altura da cabeça e
outra na altura da cintura ou mais abaixo. A primeira serve para a
conversa com o preso e entrega da refeição. A segunda serve para que o
preso ponha as mãos para ser algemado quando é levado para o banho de
sol e depois ter as algemas retiradas quando do retorno. Dessa forma, os
agentes sempre terão o preso algemado ao abrir a cela e sempre
trabalham em duplas. Os presos ficam isolados por 22 horas do dia e saem
para o banco de sol por 2 horas. Todos eles, segundo informações do
chefe da enfermaria, vivem à base de ansiolíticos.
Pois bem, já estava de saída da última galeria de celas quando
avistei Luiz Fernando conversando com uma diretora do Depen. Não sabia
que ele estava naquele presídio e não o reconheci de imediato. Ele
estava sentado em uma cadeira e algemado. O pequeno espaço em que se
encontrava era protegido por grades e tinha um acesso interno para a
galeria de celas em que estava preso. Tinha uma boa aparência, simpático
e de sorriso fácil. Quando me aproximei, relatava ao pessoal do Depen
severas críticas ao Diretor e agentes penitenciários do presídio
anterior, mas ressaltou a lealdade e honestidade do Diretor e agentes do
atual presídio.
Relatou também sobre pressões que estaria sofrendo sua família e que
estaria concluindo um dossiê sobre todos esses problemas e também sobre o
que teria sofrido no presídio anterior. Contou também que estava lendo
muito e que havia terminado de concluir um curso de Teologia à
distância. Disse que estava bem de saúde fazendo atividades físicas, que
não havia problemas com as visitas e que era respeitado e também
respeitava as ordens da casa.
Perguntei-lhe como se sentia o “bandido” mais famoso do Brasil? Ele soltou uma boa gargalhada e respondeu mais ou menos assim:
– Doutor, eu estou nessa vida há muito tempo. Cometi umas bobagens
no Rio de Janeiro e depois precisei sair para a fronteira. Lá, o
esquema era muito perigoso. Nossa atividade era de risco e envolvia
drogas, armas e carros. É claro que nessa atividade havia
desentendimentos, extorsão e conflitos de interesses. Logo, se matava e
se morria muito. Agora, doutor, igual a mim, naquela época, existiam
várias pessoas, inclusive policiais que participavam do esquema. Pior do
que eu, existiam muito mais pessoas naquela atividade. O problema é que
o Estado Brasileiro precisava, para se afirmar como eficiente e
garantidor da lei, de um grande bandido nacional para condenar a 300
anos de cadeia e mantê-lo preso como exemplo dessa eficiência. O
problema é que minha prisão e condenação não acabou com o tráfico, com a
violência e criminalidade. Pronto! Estou condenado, isolado em uma
penitenciária de segurança máxima e todos esses os problemas se
agravaram. Na verdade, eu já nem sei por quais crimes fui condenado e
por quais motivos tive minha pena agravada em presídios, pois basta que
um agente penitenciário me acuse para que seja certa a condenação. Por
fim, doutor, o sistema precisa desse grande bandido nacional e esse cara
sou eu!
Não tinha como continuar essa conversa. O tempo da inspeção estava no limite e também precisava conhecer melhor a história de “Fernandinho Beira-Mar” para
prosseguir. Conversamos ainda mais um pouco sobre seus processos
judiciais, mas relatou que tinha bom advogado e que estava tranquilo
quanto ao seu futuro. Prometeu enviar o citado dossiê ao CNPCP, mas esse
documento não me chegou às mãos.
Enfim, nos despedimos cordialmente e agradeci pela conversa. Aquele
era o último dia de inspeção e logo mais à noite embarquei de volta para
casa. Este relato que faço agora é fruto de anotações e lembranças, mas
é impossível retratar a realidade de um presídio federal e, muito
menos, o que deve sentir e pensar “o grande bandido nacional” em
suas 22 horas diárias de isolamento e o peso da condenação em 300 anos
de reclusão. Os meandros de sua mente e de suas lembranças, conforme me
relatou o próprio Luiz Fernando, serão expostos quando do lançamento de
seu livro de memórias. Não me adiantou o conteúdo dessas memórias, mas
observou que precisa oferecer às pessoas o outro lado da história
oficial.
Gerivaldo Neiva é juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité.
Matéria extraída do Calila Notícias
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