Na sua exposição, de quase uma hora, o general criticou a Constituição de 1988, que segundo ele garante muitos direitos para os cidadãos e poucos deveres, atacou a classe política.
Um general da ativa no Exército, Antonio Hamilton Mourão, secretário
de economia e finanças da Força, afirmou, em palestra promovida pela
maçonaria em Brasília na última sexta-feira (15), que seus “companheiros
do Alto Comando do Exército” entendem que uma “intervenção militar”
poderá ser adotada se o Judiciário “não solucionar o problema político”,
em referência à corrupção de políticos.
Mourão disse que poderá chegar um momento em que os militares terão
que “impor isso” [ação militar] e que essa “imposição não será fácil”.
Segundo ele, seus “companheiros” do Alto Comando do Exército avaliam que
ainda não é o momento para a ação, mas ela poderá ocorrer após
“aproximações sucessivas”.
“Até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o
problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública
esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos
que impor isso.”
O general afirmou ainda: “Então, se tiver que haver, haverá [ação
militar]. Mas hoje nós consideramos que as aproximações sucessivas terão
que ser feitas”. Segundo o general, o Exército teria “planejamentos
muito bem feitos” sobre o assunto, mas não os detalhou.
Natural de Porto Alegre (RS) e no Exército desde 1972, o general é o
mesmo que, em outubro de 2015, foi exonerado do Comando Militar do Sul,
em Porto Alegre, pelo comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, e
transferido para Brasília, em tese para um cargo burocrático sem comando
sobre tropas armadas, após fazer críticas ao governo de Dilma Rousseff.
Um oficial sob seu comando também fez na época uma homenagem póstuma ao
coronel Brilhante Ustra, acusado de inúmeros crimes de tortura e
assassinatos na ditadura militar.
A palestra de sexta-feira (15) foi promovida por uma loja maçônica de
Brasília e acompanhada por integrantes do Rio de Janeiro e de Santa
Catarina, entre outros. Segundo o vídeo de duas horas e 20 minutos que
registra o evento, postado na internet, Mourão foi apresentado no evento
como “irmão”, isto é, membro da maçonaria do Rio Grande do Sul.
Ele se definiu como “eterno integrante da [comunidade de]
inteligência”, tendo sido graduado como oficial de inteligência na ESNI
(Escola do Serviço Nacional de Informações). Criado após o golpe militar
de 64 e extinto em 1990, o SNI era o braço de inteligência do aparato
de repressão militar para ajudar a localizar e prender opositores do
governo militar, incluindo sindicalistas, estudantes e militantes da
esquerda armada.
Um dos organizadores do evento, o “irmão” Manoel Penha, brincou, no
início da palestra, que havia outros militares à paisana na plateia, com
“seu terninho preto, sua camisa social”. Ele afirmou em tom de ironia:
“A intervenção que foi pedida, se feita, será feita com muito amor”.
Na sua exposição, de quase uma hora, o general criticou a
Constituição de 1988, que segundo ele garante muitos direitos para os
cidadãos e poucos deveres, atacou a classe política. “Sociedade carente
de coesão cívica. A sociedade brasileira está anímica. Ela mal e
porcamente se robustece para torcer pela Seleção brasileira ou então sai
brigando entre si em qualquer jogo de time de futebol. Crescimento
insuficiente e o Estado é partidarizado. O partido assume, ele loteia
tudo. Tal ministério é do sicrano, tal do fulano, e aquilo é porteira
aberta. Coloca quem ele quer lá dentro e vamos dar um jeito de fabricar
dinheiro.”
O general respondeu a uma pergunta lida pelos organizadores do
evento, segundo a qual “a Constituição Federal de 88 admite uma
intervenção constitucional com o emprego das Forças Armadas”. Contudo,
“intervenção militar” não é prevista em nenhum trecho da Constituição. O
artigo 142 da Carta, que costuma ser citado por militantes na internet,
fala apenas que as Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria e “à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes [Poderes], da lei e da ordem”. O texto, portanto, condiciona uma
eventual ação militar a uma iniciativa anterior dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário. A pergunta também sugeriu um “fechamento do
Congresso”.
Na sua resposta, contudo, Mourão não rebateu a afirmação contida na
pergunta de que uma “intervenção” seria constitucional e nada falou
sobre fechamento do Legislativo. Pelo contrário, elogiou-a como
“excelente pergunta”.
Em nota neste domingo (17), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
organização não governamental, disse que vê com “preocupação e
estranheza” a sugestão do general de que o Exército poderá “intervir
militarmente, caso a situação política não melhore”. “Esta declaração é
muito grave e ganha conotação oficial na medida em que o General estava
fardado e, por isso, representando formalmente o Comando da força
terrestre. Ela é ainda mais grave por ter sido emitida pelo Secretário
de Economia e Finanças, responsável pelo gerenciamento de recursos da
Força e, portanto, soar como chantagem aos Poderes constituídos em um
momento de restrição orçamentária.”
“O Exército Brasileiro tem pautado sua atuação no cumprimento da lei,
buscando ser fator de estabilidade política e institucional. Não é
possível, neste delicado quadro, vermos a confiança da população nas
Forças Armadas ser abalada por posturas radicais, ainda mais diante da
aguda crise de violência que atinge o país”, diz a nota.
A Folha procurou na tarde deste domingo (17) o Comando do Exército e o
Ministério da Defesa para ouvi-los sobre as declarações do general. Em
nota, o Centro de Comunicação Social do Exército informou “que o
Exército Brasileiro, por intermédio do seu comandante, general Eduardo
Dias da Costa Villas Bôas tem constantemente reafirmado seu compromisso
de pautar suas ações com base na legalidade, estabilidade e
legitimidade”. A Folha pediu um contato com o general Mourão, para que
comentasse suas declarações, mas não houve retorno até o fechamento
deste texto. A Defesa também não se manifestou.
A seguir, a íntegra do trecho em que o general falou sobre a “intervenção”.
Pergunta: [apresentador lê um papel com a pergunta] “A Constituição
Federal de 88 admite uma intervenção constitucional com o emprego das
Forças Armadas. Os poderes Executivos [sic] e os Legislativos estão
podres, cheio de corruptos, não seria o momento dessa interrupção,
[corrigindo] dessa intervenção, quando o presidente da República está
sendo denunciado pela segunda vez e só escapou da primeira denúncia por
ter ‘comprado’, entre aspas, membros da Câmara Federal? Observação:
fechamento do Congresso, com convocações gerais em 90 dias, sem a
participação dos parlamentares envolvidos em qualquer investigação.
Gente nova.”
Mourão: Excelente pergunta. Primeira coisa, o nosso comandante, desde
o começo da crise, ele definiu um tripé pra atuação do Exército. Então
eu estou falando aqui da forma como o Exército pensa. Ele se baseou,
número um, na legalidade, número dois, na legitimidade que é dada pela
característica da instituição e pelo reconhecimento que a instituição
tem perante a sociedade. E número três, não ser o Exército um fator de
instabilidade, ele manter a estabilidade do país. É óbvio, né, que
quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos
cercando, a gente diz: ‘Pô, por que que não vamo derrubar esse troço
todo?’ Na minha visão, aí a minha visão que coincide com os meus
companheiros do Alto Comando do Exército, nós estamos numa situação
daquilo que poderíamos lembrar lá da tábua de logaritmos, ‘aproximações
sucessivas’. Até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o
problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública
esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos
que impor isso. Agora, qual é o momento para isso? Não existe fórmula de
bolo. Nós temos uma terminologia militar que se chama ‘o Cabral’. Uma
vez que Cabral descobriu o Brasil, quem segue o Cabral descobrirá alguma
coisa. Então não tem Cabral, não existe Cabral de revolução, não existe
Cabral de intervenção. Nós temos planejamentos, muito bem feitos. Então
no presente momento, o que que nós vislumbramos, os Poderes terão que
buscar a solução. Se não conseguirem, né, chegará a hora que nós teremos
que impor uma solução. E essa imposição ela não será fácil, ele trará
problemas, podem ter certeza disso aí. E a minha geração, e isso é uma
coisa que os senhores e as senhoras têm que ter consciência, ela é
marcada pelos sucessivos ataques que a nossa instituição recebeu, de
forma covarde, de forma não coerente com os fatos que ocorreram no
período de 64 a 85. E isso marcou a geração. A geração é marcada por
isso. E existem companheiros que até hoje dizem assim, ‘poxa, nós
buscamos a fazer o melhor e levamos pedradas de todas as formas’. Mas
por outro lado, quando a gente olha o juramento que nós fizemos, o nosso
compromisso é com a nação, é com a pátria, independente de sermos
aplaudidos ou não. O que interessa é termos a consciência tranquila de
que fizemos o melhor e que buscamos de qualquer maneira atingir esse
objetivo. Então, se tiver que haver, haverá. Mas hoje nós consideramos
que as aproximações sucessivas terão que ser feitas. Essa é a realidade.
Com informações da Folha de S. Paulo.
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