No dia 31
de outubro de 1916, na fazenda Canavial, bem próximo ao engenho de
açúcar, nasceu um menino forte e valente ODORICO LUCILIO CARNEIRO, que
trazia nas veias o sangue poeta de encantador de sonhos infantis. Seus
pais, José Figueredo Carneiro e Maria Julieta Friandes Cedraz
contemplavam o rosto do pequeno bebê, que não nascera em sua residência.
A fazenda Canavial era de seus avós paternos João Carneiro de Oliveira e
a senhora Francisca Elioteria do Amor Divino, lá estavam porque durante
o mês de setembro a família se reunia para prestar culto em louvor a
Jesus e Maria durante 30 dias.
Todos os filhos que moravam distante ficavam hospedados na casa de seus pais e imediações.
Todos os filhos que moravam distante ficavam hospedados na casa de seus pais e imediações.
Completando o período para o parto, seus avós acharam por bem esperarem
o nascimento da criança, porque era um tanto distante de uma fazenda
para outra e assim aconteceu o nascimento.
Passados alguns dias, o pequeno menino foi para a casa de seus pais, na fazenda Gitirana, juntamente com seus três irmãos. Era uma família como outra qualquer de sua época: pai, mãe e nove filhos.
O menino crescia livre como os pássaros, pulava de galho em galho,
brincava no terreiro com seus irmãos, de inúmeras brincadeiras que
coloriam de magia a sua infância. Tomavam banho de riacho, afinal a
chuva era frequente. O tempo abençoado e a terra tudo davam.
O samba, os brinquedos de roda, os versos, batuques e chulas
tornaram-se o ponto mais forte da sua juventude e idade adulta, como
também de seus irmãos.
Sua infância apesar de tantas brincadeiras, também foi pautada na lida.
Aos seis anos já ajudava seu pai no trabalho da roça. A enxada foi sua
única caneta. Com ela riscava a terra e de lá tirava o sustento da
família.
A história de seus pais foi cheia de alegria, silêncio, luta, dor,
tristeza, doação, mas também recheada de amor, um amor infinito, que,
quando um partiu, com menos de 90 dias o outro também se foi.
Sua mãe normalista e poetisa foi uma das primeiras professoras desse
município, embora seu nome nunca constou na história. Ela tinha uma
forma própria da época de ensinar. O livro utilizado chamava-se Regra,
um livro grande que continha o alfabeto, sílabas, normas gramaticais,
lições de matemática e conhecimentos gerais. Cantando sua mãe ia
ensinando aos filhos o alfabeto.
Escrevia em uma pedra negra (quadro negro) com um lápis preto com
grafite branco. O papel que se utilizava para a escrita era o papel de
embrulho, depois pautado e os mais adiantados escreviam em caderno.
Tudo parecia tão belo, mas a vida lhe pregou uma peça. Em 1932, uma
forte seca arrasava a região. As coisas foram ficando mais difíceis para
a família. Seus pais lutaram e relutaram para que seus filhos não
morressem de fome, porém, a cruel seca ceifou a vida dos dois em curto
prazo de menos de três meses.
A dor e a tristeza lhe invadiam a alma. Tudo parecia tão cinza como os
campos devastados pelo sol escaldante. Nove filhos sem pai, sem mãe, sem
comida, desnutridos, sem rumo... contudo não podiam ficar anestesiados
diante da dor. Era preciso encontrar saída. Era preciso lutar com
valentia, valentia essa que só o sertanejo conhece, e assim, o menino
ainda adolescente foi em busca de ajuda para continuar sua história e
ajudar aos irmãos menores. Foi morar com seu tio e padrinho Antônio Pio,
na fazenda Aleluia. Lá, fazia todo tipo de serviço do campo. No 1º ano
de trabalho, o que ganhou foi para pagar o funeral de sua mãe. No 2º
ano, negociou com o tio para continuar no serviço. O pagamento no final
do ano de trabalho foi acertado pelo preço de um cavalo. Como seu
padrinho viu sua dedicação e esforço, também lhe deu uma novilha. A
partir do 3º ano, o acerto pelo serviço passou a ser dividido: 3 dias
para o padrinho, 3 dias para ele, e assim, foi tocando a vida. Nesta
nova família ganhou mais 7 irmãos aos quais ele tem muito carinho até
hoje.
Durante o tempo que viveu na fazenda Aleluia, além da lida no campo,
tornou-se vaqueiro, profissão que lhe rendera o título de um dos
melhores vaqueiros da região, junto a Manoel de Asselino, Primitivo e
Januário (Sr. Jinu).
Viveu com seu tio até quando se casou em 26 de agosto de 1946, com
Perolina Cedraz de Araújo. Dessa união vieram 8 filhos, 4 in memoriam.
Para sustentar sua família trabalhava em outras fazendas como diarista.
No final da tarde, após deixar o trabalho, saía à compra de carneiros e
porcos para revendê-los e abatê-los. Foi açougueiro por mais de 60
anos, ocupação de exerceu até 2013.
Nunca conheceu uma universidade, mas exerceu com muito amor, dedicação e
orgulho a profissão de veterinário. Com orações contritas a Deus,
curava animais doentes, feridos e com hemorragia. Fez várias
esterilizações em animais machos e realizou mais de 230 partos. Por sua
coragem e experiência, algumas vezes auxiliou velhas parteiras em
nascimentos de crianças, quando o parto era de muita complexidade.
Sua fé firme em Deus lhe ajudou a vencer os difíceis momentos de
doenças e dificuldades na família. Não conheceu a Sagrada Escritura,
mas, junto com a mamãe, relatava para nós fortes passagens bíblicas
aprendidas com seus pais, avós e pessoas mais velhas. Tudo o que
aprenderam de fé, transmitiram para sua prole.
Após um dia de trabalho pesado, o cansaço nunca foi motivo de não
sentar no chão da sala, junto com a mamãe, para saber como foi o nosso
dia em obediência e trabalho. Esse momento era mágico. Após ouvir as
explicações da mamãe, era chegado o momento de nos embalar nos mais
belos contos populares, estórias que nos faziam viajar no mundo da
imaginação. Cada um procurava repousar a cabeça naquele colo amigo.
Todos queria desfrutar da segurança, do aconchego, do amor. O pagamento
pelos contos era a troca de cafuné entre nós.
Quando percebia que o sono estava chegando para nós, era o momento da
oração antes de dormir. Começava pelo mais novo até o mais velho. Em
seguida, nos abençoava e íamos dormir.
Em casa não havia biblioteca, mas mesmo com pouco estudo, ele e a mamãe
não hesitavam de nos incentivar à leitura. Como meio de incentivo,
usavam a folhinha do Coração de Jesus que até hoje traz informações
diversas e importantíssimas. Eles retiravam cada dia, liam e depois
mandavam que a gente lesse. Também nos apresentavam, de maneira
fascinante, a rica literatura de cordel. Era uma média de 60 livrinhos.
Dois deles ficaram marcados em minha memória: João de Calás, o preferido
de mamãe e a Donzela Teodora, o preferido de papai. Essa rica
literatura, com as informações da folhinha juntavam-se com os
conhecimentos adquiridos na escola e assim, foi despertando em mim o
amor pelos livros e o gosto de escrever.
Rápido na memória, papai fazia operações matemáticas e assim ia nos ajudando, apesar de suas limitações, nas tarefas escolares.
Quantas dificuldades... mas que sabor teve e tem tudo isso em nossas vidas.
Muito rígido na nossa educação, sempre se preocupou em passar para nós
os bons costumes, os valores cristãos, morais e éticos. Apesar do seu
jeito durão de ser, no coração sempre teve um espaço para o amor.
Para aumentar sua família, acolheu, com muito carinho, a Hilda, a
Emília, a Madalena e o Daniel, filhos do coração que um dia, em busca de
uma vida melhor, foram em busca do seu futuro. O espaço por eles
deixado foi preenchido com orações para que Deus continuasse cuidando
deles onde estivessem.
O homem forte e valente teve sua vida também marcada pela dor das
perdas de muitos entes queridos, os amores de sua vida: primeiro, a
perda dos pais biológicos, depois dos seus quatros filhos, dos seus pais
de coração, dos seus oito irmãos, alguns sobrinhos e, por último, há 10
anos, a sua amada, a flor que preenchia nosso jardim, com a qual
dividiu sua vida 61 anos.
Homem de memória invejável. Chega aos 100 anos com a lucidez de um jovem.
Sempre gostou de testar em nós filhos o aprendizado escolar. Agora, no
dia 31 de outubro, ele me falou: “Quero ver se você sabe mesmo fazer
conta. Faça rápido e me responda: quantos dias vivi até hoje, contando
com os anos bissextos”? fiz a operação por escrito e perguntei para ele:
“Qual foi a sua resposta”? ele respondeu: “36.525 dias”. Mostrei-lhe o
calculo que fiz, ele sorriu e disse: “Ainda estou bom de memória”.
Perguntado por sua médica qual a receita para tanta longevidade, com
tanta lucidez, ele respondeu: dormir cedo, acordar cedo, não fumar, não
beber, comer comida saudável, comer pouco, estar de bem com a vida e
trabalhar sempre porque o trabalho é o melhor remédio para o corpo e
para a mente.
Se hoje você me perguntar quem é Odorico pra você? Eu respondo: meu
melhor amigo, meu melhor mestre, meu orgulho, meu herói, e sei que a
também cada filho dirá a mesma coisa, porque foi com ele e seus bons
exemplos que hoje somos o que somos.
Agradecemos a DEUS pelo dom da vida de tio Odorico no 101* aninhos de vida, homem histórico no nosso município, lembra desde o inicio da fazenda Enxu 1926 ate os dias atuais da cidade de Ichu , e ao mesmo tempo pedimos o bom Deus pela sua saúde, dando lhe mais felicidade, amor, sabedoria sucesso em todos os dias da sua vida!
Texto publicado na página do Facebook Hô Sertão! De Edcarlos Almeida. Fonte: Auristela Carneiro Muniz - Outubro de 2016
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