Documento tornado público pelo Departamento de Estado dos Estados
Unidos mostra que o ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) autorizou
que o Centro de Inteligência do Exército (CIE) continuasse a política de
execuções sumárias contra opositores da ditadura militar no Brasil
adotadas durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, mas que
limitasse as execuções aos mais “perigosos subversivos”.
O memorando de 11 de abril de 1974, assinado pelo então diretor da
CIA (serviço de inteligência dos EUA) Willian Colby e endereçado ao
então secretário de Estado Henry Kissinger, afirma que o presidente
Geisel disse ao chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) à época,
João Baptista Figueiredo, que se tornou presidente entre 1979 e 1985,
que as execuções deveriam continuar.
Segundo o documento, Geisel e Figueiredo concordaram
que quando o CIE detivesse alguém que poderia cair na categoria de
subversivo perigoso, o chefe do Centro de Inteligência do Exército
deveria consultar o general Figueiredo que, por sua vez, deveria dar sua
aprovação antes da execução. De acordo com o texto, Figueiredo insistiu
na continuidade das execuções e Geisel fez comentários sobre os
aspectos potencialmente prejudiciais da questão e pediu para refletir
sobre o assunto no final de semana, antes de tomar uma decisão.
A publicação perdeu o sigilo em dezembro de 2015, mas o documento
ganhou publicidade nesta quinta-feira por meio do professor Matias
Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação
Getulio Vargas (FGV). Nas redes sociais, onde divulgou o documento, o
professor disse que “este é o documento mais perturbador que já li em 20
anos de pesquisa: Recém-empossado, Geisel autoriza a continuação da
política de assassinatos do regime, mas exige ao Centro de Informações
do Exército a autorização prévia do próprio Palácio do Planalto”.
O
memorando relata que o encontro teria ocorrido em 30 de março de 1974
entre Geisel, Figueiredo e os generais do CIE Milton Tavares de Souza
(então comandante do centro) e Confúcio Danton de Paula Avelino (que
assumiria o comando do CIE posteriormente). Ainda segundo o documento, o
general Milton Tavares de Souza afirmou, na reunião, que cerca de 104
pessoas que entraram na categoria de subversivos foram sumariamente
executadas pelo CIE no ano anterior.
O texto revela que, no dia 1º de abril, Geisel informou ao general
Figueiredo que a política deveria continuar, mas que era preciso
assegurar-se de que apenas “subversivos perigosos” fossem executados. Os
militares acertaram também que o CIE deveria dedicar quase todos os
esforços ao combate da “subversão interna”.
Para Spektor, o memorando “é a evidência mais direta do envolvimento
da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de
assassinatos”.
O memorando de número 99 faz parte de uma série intitulada Foreign
Relations of the United States (Relações Exteriores dos Estados Unidos) e
documenta a história das relações dos Estados Unidos com a América do
Sul entre 1973 e 1976.
Apesar
de os EUA terem retirado o sigilo em 2015, o primeiro e quinto
parágrafos do texto sobre a reunião permanecem sigilosos. O documento
original está arquivado no escritório do diretor da CIA em Washington. A
transcrição está disponível online em um site do governo federal
norte-americano.
Em nota, o Exército Brasileiro informou que os documentos que
poderiam comprovar as afirmações foram destruídos, de acordo com norma
da época que visava preservar informações sigilosas. “O Centro de
Comunicação Social do Exército informa que os documentos sigilosos,
relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar a
veracidade dos fatos narrados foram destruídos, de acordo com as normas
existentes à época – Regulamento da Salvaguarda de Assuntos Sigilosos
(RSAS) – em suas diferentes edições”.
Fonte: Diário do Poder
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