A novela Segundo sol, que estreou nesta segunda-feira (14),
na Globo, é ambientada na Bahia e desde que foi anunciada está sendo
duramente criticada por não incluir atores negros em seu elenco, já que o
estado concentra a maior população negra do País, segundo dados do
IBGE.
Mas, polêmicas à parte, o que chamou a atenção dos moradores de Riachão do Jacuípe, já na estreia, foi a cena com a atriz Giovanna Antonelli,
que faz o papel de Luzia, cantando a chula/batuque “Quixabeira”, que
tem a autoria do jacuipense Manezinho de Isaias. Na gravação a atriz
cita Barreiras, no lugar de Barreiros, conforme a composição de
Manezinho.
Manezinho
de Isaias foi um exímio sambador, tendo feito parte e liderado o grupo
de Samba de Roda do Mocó durante muitos anos. O trabalho artístico de
“Seu Manezinho”, como também era chamado, passou a ser reconhecido após
várias apresentações do seu grupo antes e durante as semanas culturais
organizadas pelo Projeto Cultural Riachão nas décadas de 1990 e 2000.
Após a gravação da chula/batuque “Quixabeira” por artistas consagrados como Carlinhos Brown,
Maria Bethânia e Banda Cheiro de Amor, o sambador ficou famoso e teve o
seu trabalho reconhecido, inclusive recebendo indenização por direitos
autorais. Mas isso só foi possível após a visita do jornalista Josias
Pires, que veio chefiando uma equipe da TV Educativa para cobertura de uma Semana Cultural, organizada pelo Projeto Cultural Riachão, em 2002.
A história de “Manezinho de Isaías” também foi tema de um documentário denominado “Sou eu Mané de Isaias”, de autoria da jornalista jacuipense Laura Ferreira.
Quando esteve em Riachão do Jacuípe em missão da TV Educativa, o
jornalista Josias Pires, que era coordenador do Projeto Bahia Singular e
Plural, esteve no Mocó, na propriedade de Seu Manezinho, ao lado do
também jornalista Evandro Matos. Na oportunidade ele explicou e
convenceu os jornalistas ser mesmo o autor da chula/batuque.
Talvez a principal chave para o convencimento foi a citação de
Barreiros, sendo ele morador do Mocó. “Na época eu estava morando na
região de Barreiros”, justificou o sambador.
Leia abaixo nota do jornalista Josias Pires quando da morte de Manezinho
Acabei
de receber a notícia por meio de mensagem eletrônica encaminhada pelo
jornalista Evandro Matos. A morte colheu o sambador na noite de
segunda-feira passada (09), em sua residência, na avenida J.J. Seabra,
Riachão do Jacuípe, a cerca de 200 Km de Salvador.
Afamado sambador de Riachão do Jacuípe, Manezin de Izaias é co-autor
de um dos grandes sucessos do Carnaval da Bahia, a música “Quixabeira”,
adaptada por Carlinhos Brown e gravada pelo próprio Brown e mais Caetano
Veloso, Gal Costa, Maria Betânia, Gilberto Gil, banda Cheiro de Amor e
muitos outros:
A canção “Quixabeira”, na verdade, é uma colagem que Carlinhos Brown
fez de três músicas gravadas originalmente como de domínio público no
long-play “Da Quixabeira Pro Berço do Rio”, produzido por Bernard von
der Weid, em 1992, reunindo 40 cantos de trabalho, chulas, batuques e
rodas de quatro município do sertão da Bahia (Feira de Santana,
Serrinha, Araci e Valente). “Quixabeira” reúne a cantiga-de-roda Amor de
Longe (Amor de longe, benzinho / é favor não me querer, benzinho /
dinheiro eu não tenho, benzinho / mas carinho sei fazer até demais ),
coletada / registrada na comunidade de Lagoa da Camisa, em Feira de
Santana; Alô, meu Santo Amaro, cunhado de samba santo-amarense, da
comunidade de Matinha, Feira de Santana; e a chula Vinha de Viagem
(Vinha de viagem passei no barreiro / avisa aos meus companheiros / sou
eu Manezim de Izaías. / Na ida levei tristeza / na volta trouxe alegria /
Passei na Quixabeira / Mané me deu uma carreira / que até hoje eu
corria. / Tu não faz como passarinho / que fez o ninho e avooou / e eu
fiquei sozinho / sem seu carinho /seu seu amor).
A cantiga de roda e o samba são de autores desconhecidos. A chula de
Manezin de Izaías correu mundo nas veredas do sertão, ficando mais
famosa do que o próprio Manezin; criada em Riachão de Jacuípe ela foi
encontrada por Bernard von der Weid em Valente, a mais de 100 km de
Riachão, onde ninguém sabia quem era exatamente aquele Manezin que
enfiou seu próprio nome na letra da música, assinando-a para sempre. É
bom dizer que em vários sambas que escutei de Manezin seu nome integra a
letra.
Filho de cantador de bandeira de batalhão, o mais especializado e
reconhecido dos sambadores daquelas terras do samba-de-quadra, que é
como chamam o samba duro que fazem nas roças, terreiros e botecos,
Manezin de Izaías foi ele mesmo cantador de bandeira de batalhão e
sambador respeitado, amado e temido – pois o samba-de-quadra muitas
vezes é feito com improvisação, versos tirados na hora, com o sabor das
disputas de cantorias de viola.
Conheci Manezin de Izaías em 2002, quando trabalhava na TVE-Bahia,
fazendo a série Bahia Singular e Plural e fui a Riachão do Jacuípe com
uma equipe da TV para cobrir a Semana Cultural, organizada pelo
jornalista Evandro Matos. Evandro Matos levou Manezin e seu Samba de
Roda do Mocó, por muitos anos, para apresentações do seu grupo nas
semanas culturais organizadas pelo Projeto Cultural Riachão nas décadas
de 1990 e 2000.
Manezin não estava na mostra, onde era possível entrar em contato com
diversas pessoas e grupos produtores / fazedores/ sabedores da cultura
tradicional do lugar, celeiro, fonte inesgotável. Na época Quixabeira
fazia enorme sucesso em rádios e tevês e Evandro me levou até a roça de
Manezin, há cerca de 15 quilômetros da cidade, onde morava com d.
Isaura, mulher baluarte de toda a sua vida.
Manezin já havia sofrido o infarto, estava meio paralisado, a fala um
pouco embolada não era mais o sambador em forma. Mesmo assim gravamos
uma conversa com ele, gravamos um samba, mas senti que era preciso fazer
um documentário sobre Manezin. Havíamos lançado anos antes “Quixabeira –
da roça à indústria cultural”, na TVE contando a história da música,
mas naquele momento ainda nada sabíamos sobre Manezin.
Com o apoio de Rita Cajaíba e do advogado Rodrigo Moraes logramos
êxito na tarefa que nos propusemos de garantir o direito autoral de
Manezin, prontamente reconhecida por Carlinhos Brown.
“Os integrantes do Projeto Cultural Riachão lamentam a perda e
parabenizam Seu Manezinho pelo rico legado deixado para as novas e
futuras gerações”, anotou o agitador cultural Evandro Matos.
Fonte: Interior Da Bahia / Fotos: reprodução
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