sexta-feira, 2 de novembro de 2018

A morte: costumes, crenças e tradições fúnebres no sertão.

Muitas pessoas não gostam de falar da morte, muitas pessoas não se preparam para a morte, muitas pessoas tem medo da irmã morte. Ó morte, quem és tu? Por que traz tanto pavor e medo? Afinal a morte é a única certeza que temos na vida! 
A morte para os cristãos é a passagem para vida eterna. Na bíblia encontramos várias passagens que fala deste tema, vejamos: “Assim como por um só homem veio a morte, também por um Homem veio a ressurreição dos mortos. Pois como em Adão todos morrem, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados” (1Coríntios 15, 21-22). “Por que Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho Unigênito, para que todo que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3,16).

Em cada região da terra, os povos têm costumes, crenças e  tradições próprias ao sepultar os seus entes queridos. Um exemplo foi a sepultamento de Jesus Cristo: “...depois disto José de Arimatéia, que era discípulo de Jesus, ainda em oculto por medo dos judeus, pediu permissão a Pilatos para tirar o corpo de Jesus; e Pilatos concedeu-a. Foi José e tirou o corpo. Nicodemos, aquele que no principio viera ter com Jesus, foi também, levando uma composição de cerca de cem libras de mirra e aloés. Tomaram o corpo de Jesus e envolveram-no em panos de linho com os aromas, como é costume entre os judeus sepultar os seus mortos” (Jo 19; 39-40).
 
Segundo livro de registros da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, Ichu - BA, em 1918 na proximidade da então fazenda Enxu, já existia um cemitério destinados aos moradores daquelas redondezas. O cemitério foi construído por Joaquim Lázaro Carneiro, dono daquelas terras.  Há quem diga que Joaquim Lázaro já planejava uma suposta cidade nas suas terras. Antes da construção do Cemitério São Joaquim, os corpos das pessoas adultas eram levados para o cemitério do distrito de Candeal ou para a cidade de Riachão do Jacuípe. Já os “anjos”, como eram chamadas as crianças que faleciam precocemente (naquele período o índice de mortalidade infantil era muito alta em virtude da falta de pré-natal e de vacinas, bem como a fome que assolava muitas famílias)  eram enterradas ao pé dos cruzeiros, costume da época.
 
Entre os cristãos católicos ainda é costume velar o desfalecido. Na hora da morte de alguém,  as pessoas presentes tem o compromisso de velar aquele que está morrendo: põe-se a vela na mão do desfalecido e só retira depois que a morte seja consumada.
 
Por muito tempo, quando ocorria a morte de uma pessoa era necessário fabricar o caixão, já que na região não se encontrava para comprar e se achasse custava muito caro. Por isso, era muito comum ver tábuas guardadas em cima das paredes das casas das famílias, para, em caso de uma eventualidade, confeccionar o caixão. Assim, quando alguém falecia os carpinteiros começavam a trabalhar, não importando se de dia ou de noite. Isso acontecia também com a confecção da mortalha (a veste dos mortos) pelas costureiras.
 
As sentinelas (vigília ou velório) reuniam familiares, parentes e amigos. As vezes era necessário uma fogueira para aquecer as pessoas que passavam a noite. Tomavam um chá ou cafezinho, contando histórias e piadas como forma de espantar o sono e poder ficar ativo para passar a noite sentinelando o corpo do falecido. Vale lembrar que, quando ainda não se tinha energia  elétrica, a casa era iluminada por candeeiro. Outro costume entre os católicos era, e ainda é, de madrugada rezar o ofício de Nossa Senhora.

Se o falecimento ocorresse à noite, como não se tinha telefone, ao amanhecer do dia, era  necessário avisar os parentes e  e amigos mais distantes, numa espécie de nota de falecimento oral, feita através de uma longa caminhada, a pé ou montado em um animal, circulando a região. E a noticia tinha que se espalhar o máximo possível. Ao receber a notícia, o receptor da informação dizia: ja desconfiava,  a " a Rasga Mortalha avisou".
 
Há uma crença que diz que quando a Rasga mortalha canta em cima da casa é sinal de que alguém vai morrer. Rasga mortalha é o nome popular dado a uma pequena coruja, de cor branca, de vôo baixo. O atrito de suas asas, ao voar, produzem o som de um pano que está sendo rasgado. O povo acredita, por isso, que, quando ela passa sobre a casa de alguma pessoa doente, ela esteja rasgando a mortalha do doente, que, assim está prestes à morrer.

Aproximando a hora do sepultamento e já tampando o caixão ao som do martelo nos pregos, os homens, os carregadores de caixão se aproximavam e começavam a fazer o cortejo levando nos ombros. Muitas vezes “trotavam” para adiantar a viajem, pois não era fácil. Caminhavam léguas para sepultar seus mortos, muitas vezes com a lama na canela, já que chovia frequentemente. Quando passavam na frente da igreja os sinos eram tocados. Se o defunto fosse homem eram duas batidas do sino grande e uma do pequeno, se mulher, duas batidas do pequeno e uma do sino grande, o que era usado muitas vezes para anunciar a morte. De longe quem o escutava sabia que alguém tinha falecido.
 
Outros costumes bem presentes em velórios são colocar o defunto com os pés voltados para a porta de frente, colocar uma bacia com água debaixo do caixão ( servia para inibir o odor). Uma varinha verde deveria ser colocada dentro caixão caso o corpo não “endurecesse”. Pela crença quando o corpo fica mole é sinal que ele vem buscar outro brevemente.
 
Outro costume era varrer a casa só depois da saída do defunto e ainda varrer no sentindo que o defunto saiu. As pessoas com algum ferimento no corpo não deveria entrar no cemitério sob o risco de inflamar o corte.
 
O luto era muito presente. O preto era muito usado, simbolizando a dor, a solidão. Os homens colocavam uma tira de pano preto no bolso da camisa, já as mulheres se vestiam quase que toda de preto.
 
É comum vermos cruzeiros na beira de estradas, dentro das roças, próximo a tanques, etc. Esse é um sinal que naquele lugar alguém faleceu, neste mesmo cruzeiro eram imortalizada a memória daqueles que por ali deixaram a sua marca.

Atualmente muitas destas práticas, que nossos antepassados viveram, não são mais vistas. Com a chegada dos meios de comunicações, principalmente o celular, não se viaja mais léguas para dar uma notícia fúnebre, e ao receber a notícia não se ouve mais falar sobre o canto da Rasga Mortalha.  As tábuas que ficavam em cima das paredes esperando a morte chegar, deram lugar às famosas funerárias que exploram o comércio de forma inteligente nessa área, que, de forma prática e instantânea, prepara todo o ambiente do funeral. No princípio os velórios eram realizados na casa do defunto, hoje já se conta com mais uma opção, os centros de velórios. Há quem queira carregar seus falecidos em carros fúnebres, mas aqui no nosso pedacinho de chão ainda se leva o caixão na mão, onde muitos fazem questão de preservar esse costume simbolizando  o último favor ao falecido, aquele que muitas vezes lhe ajudou.
 
Também é comum durante o cortejo fúnebre os comerciantes baixarem as portas de seus estabelecimentos em sinal de respeito e solidariedade com a família enlutada. Ao chegar na capela do cemitério é feita a celebração de encomendação do corpo e a despedida final.
 
Um ponto forte e que vale apena destacar, são os encontro de amigos e familiares durante os sepultamentos. Muitos aproveitam deste momento para rever e também conhecer seus parentes.

Texto:  Edcarlos Araújo de Almeida.
Colaboração: Edilma Carneiro
Fonte de pesquisa : roda de conversa com homens e mulheres que vivenciaram muitas vezes essas cenas no sertão.
Fotos: Arquivos IN

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