O processo de aprendizagem e a relação de confiança entre
professores e alunos podem ser comprometidos caso o projeto "Escola Sem
Partido" seja aprovado, na avaliação do especialista em formação de
professores Valter Forastieri.
O educador defende que a confiança é
essencial em todo processo de educação e que o texto que tramita no
Congresso põe os docentes em um lugar desconfortável e sob suspeita,
atribuindo aos alunos papeis fiscalizadores, mesmo que eles ainda não
tenham maturidade suficiente para julgar se está sendo “doutrinado” ou
não.
O projeto "Escola Sem Partido", que teve a discussão em
sessão de comissão especial adiada nesta terça-feira (13) na Câmara dos
Deputados (leia mais aqui),
é um compilado de 11 projetos com o objetivo de incorporar mudanças ao
comportamentos e aplicação de conteúdo por professores, a partir da
proibição de manifestações políticas ou ideológicas nas escolas, além da
existência de cartazes com deveres dos educadores, entre os quais está
a proibição de usar sua posição para direcionar alunos para qualquer
corrente política, ideológica ou partidária. O texto ainda prevê que o
docente não poderá incitar a participação de manifestações.
Na avaliação do cientista político da Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Cláudio
André de Souza, o texto do projeto parte de equívocos. “É um projeto
muito danoso para a liberdade de expressão de acordo com os preceitos
constitucionais e, sobretudo, esse projeto pode de alguma forma
criminalizar as ciências humanas”, alertou. “A maior polemica do projeto
é uma compreensão equivocada de que as escolas são tomadas por posições
politico-partidárias”, completou.
O mestre em educação da Faculdade de Tecnologia e Ciências
(FTC), Daniel Carvalho, considera o texto “ameaçador”, uma vez que “em
uma democracia todos os assuntos devem ser debatidos, e que no Brasil,
com a diversidade que tem, não dá para proibir manifestações ideológicas
e discussões nas salas de aula”.
Nessa perspectiva, Forastieri defende que os professores têm
direito a ensinar sobre os mais variados temas, e o estudante tem
direito a aprender sobre as várias questões do mundo: “A gente não pode
censurar pontos de vista político, a gente deve justamente promover que
o estudante conheça todos os pontos de vista políticos e a partir daí
ele crie sua própria identidade”.
Cláudio André de Souza diz que é preciso ter atenção à
relevância da pauta. No entendimento dele, o projeto não tem em vista
mudanças necessárias para a melhoria da educação no país. “Está longe de
ser uma pauta prioritária e relevante”, disse, ao argumentar sobre a
falta de discussão e movimentação sobre questões como aperfeiçoamento
das infraestruturas das escolas públicas e os prejuízos na qualidade da
formação dos estudantes por esse motivo.
“Uma questão importante é a estrutura das escolas. Os dados
do censo escolar dos últimos anos mostram que a maioria das escolas do
Brasil não possuem infraestrutura de prática de esportes, laboratórios
de informática, química, física, ou bibliotecas adequadas”,
exemplificou.
LEGITIMAÇÃO DO DISCURSO CONSERVADOR NAS ESCOLAS BAIANAS
Daniel Carvalho avalia que, assim como outras democracias
mundiais, o Brasil vem enfrentando um momento de acirramento político e
de crescimento do conservadorismo. Segundo ele, a eleição de Jair
Bolsonaro (PSL) e de parlamentares com posicionamento mais liberal no
Congresso Nacional tem legitimado discursos deste tipo. “Antes as
pessoas tinham vergonha ou receio de dizer que era de direita, e com
Jair Bolsonaro esse discurso é legitimado”, observou.
Na apreciação do professor, os casos recentes de troca de
mensagens ofensivas, supostamente relacionadas a eleição, envolvendo
alunos de escolas de Salvador que faziam ameaças a colegas de sala (lembre aqui) ou a professores (lembre aqui), são um reflexo deste fato, mas “dá para tirar algo positivo” desses exemplos.
Carvalho defende que acontecimentos como esses mostram o
quanto é necessária a presença de discussões dos mais variados temas que
dizem respeito à sociedade e às pessoas nas escolas e considera o
projeto "Escola Sem Partido" uma “ameaça” nesse sentido.
Por Jade Coelho / Bahia Notícias
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