Dezenove de março é o dia em que o sertanejo olha
ao céu com mais esperança do que o habitual. Ele ergue a cabeça e procura as
nuvens carregadas que há tantos anos teimam em se afastar do sertão nordestino.
Chover no Dia de São José é sinônimo de bom inverno e boas colheitas / Foto: JL Rosa |
Diante de tamanha escassez, resta ao agricultor se apegar à fé. Conforme a
crença popular, se chover no dia 19 de março, data em que se celebra São José,
padroeiro cearense, o inverno tende a ser próspero e a colheita no campo farta.
A ciência, no entanto, é irredutível diante da crença.
A realidade dos estudos meteorológicos destaca a
distância entre as duas esferas. “Se chover no dia 19 não há correlação
com inverno. Não indica que as coisas vão mudar. Por enquanto, o que se tem é
essa realidade, com base em estudos”, destaca o meteorologista da Fundação
Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Raul Fritz.
A avaliação do especialista pode ser explicada em
números. Nos últimos dez anos, as precipitações caídas no dia do Santo não
tiveram relação com o resultado da quadra chuvosa. Em 2009, por exemplo, a
Funceme observou precipitações em pouco mais da metade das cidades cearenses.
Em maio daquele ano, mês que marca o fim da quadra chuvosa, o órgão registrou
977,1 mm. Foi um dos melhores resultados da história.
Em contrapartida, em 2013, choveu em 151 municípios
no dia 19 de março, o que representa 82% do total de cidades cearenses. Ao fim
da quadra, um dos piores acumulados de chuva: apenas 364,4 mm.
Fé
Alheios aos números, os sertanejos se mantêm firmes
na devoção. O Santo padroeiro é, para muitos, a única esperança de uma colheita
próspera. No Sítio Baú, zona rural de Iguatu, na região Centro-Sul do Estado, o
agricultor Emanuel Alves Vieira, 65, salta da cama antes dos primeiros raios de
sol. Nas primeiras horas do dia ele repete o ritual iniciado em fevereiro. Com
enxada na mão e fé no coração, ele limpa sua terra, com pouco mais de um
hectare e se põe, solitário, a plantar milho e feijão. Nem mesmo as perdas o
têm feito desanimar.
São José é o santo que traz esperança de chuva (Foto Reprodução: Nossa Sagrada Familia) |
“Terça-feira é um grande dia”, almeja.
Para ele, “chover no dia de São José é sim sinônimo de chuva e
colheita”. O sentimento de esperança ecoa entre tantos outros sertanejos.
Também moradora do Sítio Baú, Celestina de Oliveira, de 78 anos, profetiza,
olhando para o céu, como será o inverno deste ano. “Teremos chuva. Amanhã
há de cair água. A terra vai ficar molhada e conseguiremos tirar, pelo menos, o
de comer”, torce. A poucos quilômetros de sua residência, outro agricultor
se mostra confiante quanto as chuvas deste ano. No bolso direito da calça jeans
com sinal da ação do tempo, Antônio Vieira Brito, 59, guarda um terço que
denuncia sua fé católica. Ele mantém “com firmeza” a plantação de
milho e feijão todos os dias da semana. Às quartas-feiras, porém, sai do roçado
mais cedo para ir até a Igreja rezar um terço. “Se a gente não tiver fé,
não teremos nada”, pontua.
Explicação da ciência
A ciência é mesmo irredutível. E, consigo, ela
carrega números e explicações que embasam esse distanciamento entre chover no
Dia de São José e o resultado final da quadra chuvosa. Fritz detalha que a data
de celebração ao Santo está, coincidentemente, próxima à passagem do equinócio
que marca a mudança de estação, do verão para o outono, no hemisfério sul.
“Essa mudança é favorável à atuação da Zona de
Convergência Intertropical”. Esse fenômeno é o principal indutor das
chuvas durante a quadra chuvosa no Nordeste. Independentemente da quantidade de
precipitações hoje, Raul Fritz afirma que o prognóstico inicial do órgão
prevalece.
Para o período chuvoso de março a maio de 2019, a
Funceme indica 40% de probabilidade de precipitações em torno da normal
climatológica, 35% para a categoria abaixo da média e 25% acima dela. “Na
parte do meio-norte do Estado, a tendência é de chuvas acima da média e, no
meio-sul (centro-sul) do Ceará, probabilidade de chuvas abaixo da média”,
acrescenta.
Esperança
Para o padre Francisco Ivan de Souza, pároco da
Igreja de Fátima de Fortaleza, não há contradição entre fé e ciência.
“Elas se completam”, avalia o religioso. A ciência, para ele,
“chega a um ponto que não consegue mais explicar, e a fé vai além, pois
ela é bem mais ampla”. Para justificar os anos de estiagem, o padre lembra
que é importante considerar todas as previsões científicas, “mas sem nunca
abandonar a fé”. Conforme Pe. Ivan, “o agricultor é muito sábio e
firme nas suas convicções, vamos aguardar boas chuvas e boas colheitas”.
Informações do Diário do Nordeste / Foto: JL Rosa
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