Se é que havia dúvidas, a Assembleia Geral da ONU foi a prova de que o
presidente Jair Bolsonaro e seu ídolo, o americano Donald Trump, estão
em sintonia --ao menos nos discursos. Ambos os líderes falaram
essencialmente a mesma coisa, só os nomes dos vilões é que variaram:
para Trump, o eixo do mal é composto por Irã, China e ONGs que defendem
imigrantes, enquanto, para Bolsonaro, a encarnação do demônio é feita de
Cuba, Foro de São Paulo, Venezuela e ONGs ambientalistas.
A narrativa de Trump e Bolsonaro é a mesma disseminada pelos populistas
de direita, do húngaro Viktor Orbán ao filipino Rodrigo Duterte:
precisamos combater o globalismo e fortalecer o nacionalismo. Abaixo
organizações transacionais, como a própria ONU, que querem violar a
soberania dos países para impor aos governos nacionais sua agenda de
defesa das minorias e o que consideram bobagens de esquerda
politicamente corretas. "O futuro não pertence aos globalistas, o futuro
pertence aos patriotas, às nações independentes e soberanas que
protegem seus cidadãos", disse Trump na tribuna da ONU.
Minutos antes, em seu discurso com a marca registrada dos paladinos da luta contra o globalismo -o assessor internacional Filipe Martins e o chanceler Ernesto Araújo-, Bolsonaro havia dito: "Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um 'interesse global' abstrato. Esta não é a Organização do Interesse Global. É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer".
Enquanto o resto do planeta concentra seus esforços em medidas
(globalistas) para lidar com as mudanças climáticas, a grande bandeira
abraçada por Trump e Bolsonaro é o combate à perseguição religiosa,
principalmente a de cristãos. A pregação é música para os evangélicos,
eleitorado importante para os dois líderes, e alívio para a indústria de
combustíveis fósseis e seus acólitos céticos do aquecimento global. "O
Brasil condena, energicamente, todos esses atos e está pronto para
colaborar, com outros países, para a proteção daqueles que se veem
oprimidos por causa de sua fé. É inadmissível que, em pleno século 21...
Ainda haja milhões de cristãos e pessoas de outras religiões que perdem
sua vida ou sua liberdade em razão de sua fé", disse Bolsonaro.
Trump vai na mesma linha. "Americanos nunca vão abandonar seus esforços
de defender e promover a liberdade de crença e religião." Mas o
republicano é mais explícito nos objetivos da recém-criada aliança para
liberdade religiosa. "Sabemos que muitos projetos da ONU tentaram
garantir direito a aborto financiado com dinheiro do contribuinte.
Burocratas globais não têm nada que atacar a soberania de nações que
querem proteger vidas inocentes. Como muitas outras nações aqui, nós, na
América, acreditamos que todas as crianças, nascidas e por nascer, são
um presente sagrado de Deus".
Como bons populistas de direita que são, os dois demonizam o socialismo
e usam a Venezuela como exemplo do fracasso desse modelo. Bolsonaro
recorre ao socialismo para atacar os governos do PT, enquanto Trump
tacha de socialistas os democratas, que vêm propondo programas de acesso
universal à saúde e imposto sobre grandes fortunas. "Meu país esteve
muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de
corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de
criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e
religiosos que formam nossas tradições", disse Bolsonaro, para depois
dizer que a Venezuela "experimenta a crueldade do socialismo".
Segundo Trump, "os acontecimentos na Venezuela nos lembram que
socialismo e comunismo não trazem justiça, igualdade". "Socialismo e
comunismo só servem para dar poder à classe dominante. Hoje eu repito
para o mundo uma mensagem que já passei para nosso país --a América
nunca será um país socialista". Os inimigos diferem, mas o tom é o
mesmo". Trump classifica o Irã como "maior estado patrocinador de
terrorismo", critica as práticas comerciais da China e ataca "ativistas
radicais e ONGs que promovem tráfico de pessoas", em uma ofensiva aos
que defendem imigrantes.
Bolsonaro afirma que os médicos cubanos são agentes infiltrados de Cuba,
que o Foro de São Paulo é uma "organização criminosa" criada para
difundir o socialismo e que pessoas "apoiadas em ONGs" querem manter os
"índios como verdadeiros homens das cavernas". No Twitter, o deputado
Eduardo Bolsonaro afirmou: "Aos que perguntam se
Jair Bolsonaro e Donald Trump combinaram o discurso, pois deram recados
semelhantes: isto foi apenas a síntese de ser conservador e falar a
verdade sem se preocupar com o politicamente correto".
Mas, apesar de todas as semelhanças, Trump não vai tão longe. Bolsonaro
insiste em atacar um de seus espantalhos favoritos: a dita "ideologia de
gênero". "Tentam ainda destruir a inocência de nossas crianças,
pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a
biológica."
Já Trump afirma que os EUA "estão cooperando com outros países para
acabar com a criminalização da homossexualidade". "E estamos solidários
com as pessoas da comunidade LGBTQ que vivem em países que punem,
prendem ou executam pessoas por causa de suas orientação sexual." Ainda
que a menção seja hipócrita, porque Trump adotou políticas como o veto a
pessoas trans nas Forças Armadas, o presidente americano é pragmático e
faz ao menos um aceno ao eleitorado gay.
Por Patrícia Campos Mello | Folhapress
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