O Ministério da Justiça nomeou nesta quarta-feira (5) o pastor
evangélico Ricardo Lopes Dias para o cargo de chefe da coordenação de
índios isolados da Funai, considerada um dos setores mais sensíveis do
órgão por lidar com a população indígena mais vulnerável. Dias trabalhou
"por mais de uma década", segundo ele, na entidade americana Missão
Novas Tribos do Brasil (MNTB), que atua na evangelização de indígenas na
Amazônia desde os anos 1950.
A nomeação, publicada no Diário Oficial, foi assinada pelo
secretário-executivo do ministério, Luiz Pontel, número dois na pasta do
ministro da Justiça, Sergio Moro, ao qual a Funai (Fundação Nacional do
Índio) é subordinada. Após a divulgação, na semana passada, de que Dias
era o principal cotado para o cargo, a escolha foi criticada por
organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib),
a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), a Indigenistas
Associados (INA) - formada por servidores da própria Funai--,
o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB (Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil) e até o Conic (Conselho Nacional de
Igrejas Cristãs do Brasil), composto por igrejas evangélicas.
A Defensoria Pública da União chegou a pedir explicações
à Funai sobre os critérios usados para a escolha de ocupantes de cargos
públicos no órgão. O grupo em que Dias atuou pela Missão Novas Tribos
foi a etnia matsés, no Vale do Javari (Amazonas), sobre o qual fez uma
tese de estudo acadêmico de 1997 a 2007. A principal liderança matsés, o
cacique Waki, disse à Folha por telefone, em Atalaia do Norte (AM), que
Dias e a MNTB tentaram nos anos 2000 construir uma igreja evangélica
dentro da aldeia Lobo, mas foram rechaçados pelos indígenas.
Uma igreja, porém, acabou construída por eles em outro local, o
Cruzeirinho. O cacique Waki disse que os missionários queriam mudar os
costumes antigos dos indígenas. "Eu não quero o Ricardo na Funai.
Conhecemos bem o Ricardo. Ele aprendeu a nossa língua. Nós não queremos a
igreja aqui porque não posso pintar meu rosto, não posso tomar rapé,
não posso usar veneno de sapo. Por isso que não quero deixar", disse o
cacique. Em carta aberta divulgada nesta terça-feira (4), os caciques
matsés afirmaram não aceitar a nomeação de Dias para o cargo na Funai.
"Gostaria de relatar aqui que o senhor Ricardo nunca teve autorização
para entrar em nossa aldeia. Ele manipulou parte da população matsés
para que fosse fundada uma nova aldeia, chamada de Cruzeirinho. As
lideranças tentaram ir até essa nova aldeia, em busca de um diálogo, mas
foram expulsas com violência. [...] Mais uma vez, ele tenta ingressar
em nosso território. Não queremos novos abusos, por isso não
permitiremos a entrada do senhor Ricardo", diz a nota das lideranças
matsés. Procurado, Ricardo Dias não foi localizado para comentar sua
nomeação e a carta dos caciques matsés.
Por Rubens Valente | Folhapress
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