A proibição do limite de tempo para utilização de
créditos ativados de telefones celulares pré-pagos na Bahia, em vigor
desde a última sexta-feira (7) por força da Lei nº 14.228, promulgada
pelo presidente da Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA), Nelson Leal,
pode ter uma vigência bem breve no estado e invalidar mais de três anos
de tramitação, já que, como apontam especialistas, o fato de avançar em
um tema de competência exclusivamente federal, a torna
inconstitucional. A proposta é iniciativa do deputado estadual Alex da
Piatã (PSD) e foi aprovada pelo Plenário da Casa legislativa em dezembro
de 2019, após ser votada por dispensa de formalidades.
Para o advogado Saulo Daniel Lopes, especialista em Direito
Civil, com atuação concentrada em Direito do Consumidor, a lei é
controversa, pois, apesar de o Estado ter competência para legislar
sobre as questões relacionadas à defesa do consumidor, as
telecomunicações é matéria específica da União.
“Entendo que essa é uma lei inconstitucional porque viola a
competência da União de legislar privativamente sobre telecomunicações. A
implicação prática disso é que a lei está valendo, é aplicável, é
vigente, até que seja declarada inconstitucional. Até que o STF [Supremo
Tribunal Federal] faça esse controle da constitucionalidade. Mas isso
depende da provocação”, esclareceu Lopes ao Bahia Notícias.
Ao listar as competências exclusivas à União, o Artigo 21 da
Constituição Federal, em seu inciso XI restringe o direito de “explorar,
diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a
organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros
aspectos institucionais”.
Já Fábio Periandro, doutor em Direito Público, com ênfase em
Direito Constitucional, avaliou que, a única forma que, em princípio,
permitirá essa lei vigorar, é fazer uma análise tomando por base o
Artigo 24 da Constituição. “Tem de fazer uma análise porque eles podem
incluir o Artigo 24 da Constituição e encontrar alguma coisa que
envolva, que dê competência para os Estados de atuar lado a lado com a
esfera federal. Eles podem usar a lei estadual como se fosse um
complemento dessa legislação federal”.
Periandro alertou ainda para o fato de o Código de Defesa do
Consumidor, em que se baseia a lei baiana, ser também uma norma federal,
mas hierarquicamente inferior à Constituição.
O texto da lei, publicado do Diário Oficial deste sábado (8),
toma por base a Política Nacional das Relações de Consumo, instituída a
partir de 1990 com a conformação do Código de Defesa do Consumidor
(CDC) e afirma que a "vedação tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, a proteção de
seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem
como transparência e harmonia das relações de consumo”.
O descumprimento da medida sujeitará as operadoras às sanções
administrativas previstas no art. 56 do CDC, acrescenta o texto. O
artigo em questão lista 12 tipos de punições previstas, a exemplo de
multa, suspensão temporária da atividade, revogação de concessão,
intervenção administrativa, cassação do direito de licença da atividade,
entre outras. No caso da lei baiana, o cumprimento das disposições será
fiscalizado pelos órgãos e entidades de proteção e defesa do
consumidor.
Ao Bahia Notícias, o Sindicato Nacional das Empresas de
Telefonia e do Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTeleBrasil), que
representa as operadoras no estado, ponderou a nova legislação estadual,
que, segundo a entidade representativa, toca diretamente a
"liberdade" de atuação das operadoras.
“O Sinditelebrasil entende que a liberdade das operadoras de
atuarem com diversos modelos de negócio é positiva para o consumidor e
qualquer lei que limite essa prática pode gerar impacto no preço final
dos produtos e serviços, além de interferir em novos investimentos no
setor de telecomunicações”.
A entidade não informou, no entanto, se pretende contestar a matéria junto ao STF.
O órgão federal tem sido incisivo na suspensão de leis
semelhantes que visam legislar, no âmbito estadual ou municipal, sobre o
setor. No caso da Bahia, já foram suspensas pelo STF proposta que
obrigavam operadoras de telefonia celular a instalarem equipamentos para
bloqueio do sinal nos estabelecimentos prisionais e outra que proibia a
cobrança de assinatura básica. Nos dois casos, a justificativa da Corte
afirmou que as normas têm vício formal de iniciativa, visto que a
matéria é de competência privativa da União.
RESOLUÇÂO FEDERAL
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) delega às
operadoras a decisão sobre a validade dos créditos, firmando, porém, o
tempo mínimo de 30 dias para a sua vigência e a renovação destes a cada
nova recarga. O órgão regulador determina ainda que a informação sobre o
prazo de validade dos créditos deve estar disponível ao consumidor
previamente à sua aquisição, inclusive nos pontos de recarga eletrônica.
Para além, afirma que o consumidor deve ter à sua disposição recurso
que lhe possibilite a verificação, em tempo real, do saldo de crédito
existente, bem como do prazo de validade, de forma gratuita. A
regulamentação da forma de pagamento e vigência dos créditos para uso do
serviço pré-pago está disposta nos Artigos 67 a 72 da Resolução
632/2014 da Anatel.
TRAMITAÇÃO
A proposta de vedar a imposição de limite de tempo para a
utilização de créditos ativados de telefones celulares pré-pagos foi
apresentada pela primeira vez na AL-BA em setembro de 2011, de autoria
da então deputada estadual Maria Luiza Laudano. O projeto de lei seguiu o
rito de tramitação da Casa até fevereiro de 2015, quando solicitado um
pedido de arquivamento, após Laudano não ser reeleita.
Seis meses depois, em agosto de 2015, a proposta – PL.
21.453/2015 - foi reapresenta pelo deputado Alex da Piatã. Desde então,
atendendo aos ritos internos da AL-BA, passou pelas comissões de
Constituição e Justiça; Infraestrutura, Desenvolvimento Econômico e
Turismo; Defesa do Consumidor e Relações de Trabalho e Finanças,
Orçamento, Fiscalização e Controle.
Ao longo da tramitação, foi distribuída a dois relatores.
Inicialmente ao então deputado Pablo Barroso, o qual concedeu parecer
contrário à matéria em junho de 2016. Em 3 de dezembro de 2019, a
matéria foi novamente distribuída a um novo relator, desta vez, o
deputado Antônio Henrique Júnior. De acordo com o site oficial da AL-BA,
o projeto foi devolvido 14 dia após, em 17 de dezembro, sem apresentar
parecer.
Ainda assim, o 21.453/2015 teve o requerimento de dispensa de
formalidades, quando as bancadas de situação e oposição apreciam a
matéria sem utilizar o tempo formal de discussão, aprovado em Plenário
no 17 de dezembro. Sendo, enfim, incluído na Ordem do Dia e aprovado
pelos parlamentares baianos em 19 de dezembro.
Por Mari Leal / Bahia Notícias
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