Símbolo da aproximação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
com o chamado centrão, o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra
as Secas) é apontado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) como um dos
órgãos do governo federal mais suscetíveis ao risco de fraude e
corrupção.
A avaliação foi feita em auditoria do TCU de 2018, divulgada no mês
seguinte à eleição de Bolsonaro à Presidência. As conclusões do trabalho
foram encaminhadas ao Planalto e à equipe de transição.
Com um orçamento de cerca de R$ 1 bilhão para o ano de 2020, o órgão
teve apontadas fragilidades "muito altas" em todos os quesitos apurados:
na prevenção de fraudes e corrupção, na gestão de ética e integridade,
na transparência, no controle e também na designação de seus dirigentes.
"Espera-se que esse trabalho sirva para a implementação de melhorias
nos mecanismos de controle das instituições do Poder Executivo Federal,
em especial nas práticas preventivas e detectivas de fraude e
corrupção", disse o TCU, em nota, na época.
Questionado pela reportagem, por meio da assessoria do Ministério de
Desenvolvimento Regional --ao qual o Dnocs é vinculado--, se houve
alguma mudança nesses mecanismos de 2019 até agora, o órgão não se
manifestou até a conclusão desta edição.
Na última quarta-feira (6), o ex-diretor do Procon em Pernambuco
Fernando Marcondes de Araújo Leão foi nomeado diretor-geral do Dnocs,
uma marca da aproximação de Bolsonaro com partidos como PP, PL e
Republicanos.
Ele foi indicado pelo deputado federal Arthur Lira (PP-AL), líder do centrão na Câmara.
Esse, no entanto, foi só o último episódio de uma série de polêmicas que envolveu o órgão desde os anos 1990.
O Dnocs tem sido loteado por partidos como o PFL (atual DEM), PMDB
(atual MDB) e pelo próprio PP durante os governos Itamar Franco (MDB),
Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma
Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
O órgão é centenário e foi criado em 1909 sob o nome de Iocs
(Inspetoria de Obras Contra as Secas), e virou o atual Dnocs em 1945.
Em 1993, foi revelado que o ex-presidente da Câmara Inocêncio de
Oliveira (PE), do então PFL, usou o Dnocs para instalar dois poços a
preços subsidiados em suas propriedades em Serra Talhada, no sertão de
Pernambuco.
Após o assunto tornar-se público, Inocêncio pagou a diferença referente ao subsídio.
Em 1999, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso enviou ao Congresso uma medida provisória que previa a extinção do Dnocs.
"Chegamos para trabalhar e havia a notícia da extinção. Foi uma
surpresa desagradável", disse ao jornal Folha de S.Paulo Guilherme
Evelin, diretor-interino do departamento à época. Sob protestos de
parlamentares do Nordeste, a diretoria foi mantida.
Durante o governo Lula, o Ministério Público Federal chegou a
investigar suspeitas de superfaturamentos para fins eleitorais em obras
do Dnocs no Ceará.
Em 2012, já na gestão Dilma Rousseff, o então diretor-geral do órgão
Elias Fernandes, apadrinhado pelo ex-deputado Henrique Eduardo Alves
(MDB-RN), deixou o cargo após relatório da Controladoria-Geral da União
apontar irregularidades em sua gestão. O órgão do próprio governo
apontava supostos desvios de R$ 192 milhões em obras.
Quando o MDB decidiu desembarcar do governo Dilma às vésperas do
impeachment, em abril de 2016, a presidente indicou um apadrinhado pelo
PP. Ao assumir interinamente, Temer trocou o diretor.
Após a tentativa de Fernando Henrique de extinguir o órgão, o Dnocs
perdeu força, de acordo com Roberto Malvezzi, assessor da Comissão
Pastoral da Terra em Juazeiro (BA) e ex-coordenador nacional da
entidade.
"Nos últimos anos, o Dnocs tem pouca expressão. Não tem um impacto
sobre o semiárido e não tem um projeto. Eles ainda gerenciam algumas
barragens e açudes, mas os investimentos vêm em sua maioria dos governos
estaduais", diz Malvezzi, afirmando que a própria lógica de "combate às
secas" é antiquada e que se lida hoje com a ideia de "convivência com o
semiárido".
Ele avalia que, embora não tenha grande expressividade, o órgão sirva
mais como um cabide político --a cifra de R$ 1 bilhão de orçamento,
ressalta, não é alta dentro da estrutura do governo federal.
Malvezzi exemplifica que a própria transposição do rio São Francisco,
megaobra que pretendia levar água para parte do sertão, não foi tocada
por meio do Dnocs nem por outros órgãos federais associados a indicações
políticas, como a Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste).
O próprio Dnocs, em histórico postado no seu site e atualizado em
2016, reclama da perda da própria relevância e critica a prática de
"içarem os cargos de chefia" a "pessoal despreparado para o desempenho
de suas missões".
O centrão, bloco recriado na Câmara a partir de 2015 sob o comando de
Eduardo Cunha (MDB-RJ), hoje preso em decorrência da Lava Jato, era
demonizado até pouco tempo por Bolsonaro e aliados, sendo tratado como
"a pior coisa que há na política", nas palavras do próprio presidente.
Um dos principais conselheiros de Bolsonaro, o general Augusto Heleno
(Gabinete de Segurança Institucional), chegou a ensaiar em 2018 uma
cantoria pejorativa contra o grupo durante convenção do PSL, partido
pelo qual o presidente foi eleito.
"Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão", cantou Heleno, em
cena filmada e postada nas redes sociais, comparando os parlamentares da
legenda a ladrões.
No protesto com pautas antidemocráticas de domingo (3), prestigiado
por Bolsonaro, o centrão, que é um dos principais implicados no
escândalo da Lava Jato, continuava como alvo dos apoiadores do
presidente.
Bolsonaro passou a buscar o apoio do grupo com o objetivo, segundo
aliados, de criar pela primeira vez uma base mínima de sustentação no
Congresso que evite o prosseguimento de um possível processo de
impeachment.
Após os encontros com Bolsonaro, líderes dos partidos, que contam com
cerca de 200 dos 513 parlamentares, se colocaram publicamente
contrários ao impeachment.
Para que seja deflagrada a tramitação de um pedido de impedimento, é
preciso autorização do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), hoje
adversário de Bolsonaro, mas que tem resistido a dar o aval.
Por José Marques | Folhapress
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