O distanciamento social imposto pelo coronavírus levou à eliminação de
165 mil vagas de vendedores do varejo entre março e junho.
Com a reabertura gradual de lojas e fábricas, o mercado laboral tem se recuperado. Mas o saldo de 18,5 mil novos postos de atendentes do comércio criados desde julho está longe de compensar a destruição dos meses anteriores.
Essa história se repete com milhares de outras ocupações dos mais diversos segmentos econômicos.
Com a reabertura gradual de lojas e fábricas, o mercado laboral tem se recuperado. Mas o saldo de 18,5 mil novos postos de atendentes do comércio criados desde julho está longe de compensar a destruição dos meses anteriores.
Essa história se repete com milhares de outras ocupações dos mais diversos segmentos econômicos.
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), apesar
de restaurantes e bares terem voltado a funcionar, o país criou apenas
900 vagas formais de garçom desde julho, ante 46 mil eliminadas nos
meses de confinamento.
Até na engenharia -carreira associada à escassez de talentos no país- tem faltado demanda. As 3.300 vagas de engenheiros e arquitetos eliminadas no auge da crise ainda são mais do que o triplo das 900 criadas no terceiro trimestre.
Embora alguns segmentos -como construção civil e informática- tenham sido menos afetados ou até beneficiados, o balanço geral ainda é bastante negativo.
As demissões ocorridas no mercado formal brasileiro entre março e junho ultrapassaram as contratações em 1,6 milhão. A cifra é mais do que o dobro das 697 mil criadas entre julho e setembro.
É normal que a retomada após um choque brusco e intenso não seja relâmpago. Contratações e desligamentos são processos burocráticos e caros. Além disso, nem sempre a economia reage rapidamente.
No caso atual brasileiro, porém, as projeções têm piorado, e economistas esperam um retrocesso no lento movimento de criação de vagas, levando o desemprego a disparar em 2021.
"Se o problema fosse o país repor as quase 900 mil vagas formais perdidas desde a crise, ele não seria tão grande", afirma Cosmo Donato, economista da LCA.
Segundo ele, o efeito pior da crise -que ainda não apareceu totalmente- se manifestará, em parte, sob a forma de mais demissões quando acabar a estabilidade de emprego garantida aos trabalhadores de empresas que aderiram aos programas de redução de salário ou suspensão de contrato de trabalho.
O economista Bruno Ottoni, da consultoria iDados, concorda com o diagnóstico:
"Sem uma retomada econômica forte, é difícil imaginar que as empresas conseguirão evitar as demissões quando seu compromisso de manter a estabilidade dos funcionários acabar".
Existe um consenso entre analistas de que a deterioração do mercado de trabalho teria sido muito mais severa caso o governo federal não tivesse oferecido às empresas a possibilidade de reduzir salários e suspender a jornada de seus funcionários durante a crise, desde que garantissem a manutenção do emprego.
Prorrogado até este mês, esse benefício exige como contrapartida que os trabalhadores afetados tenham estabilidade no trabalho pelo tempo equivalente ao que seus contratos foram alterados.
O melhor cenário seria que a economia tivesse tempo de se recuperar totalmente, nesse intervalo. Um olhar restrito aos dados recentes pode sugerir que isso tem ocorrido.
A produção da indústria e a confiança empresarial, por exemplo, já estão ligeiramente acima de seus patamares anteriores à pandemia.
Mas, segundo especialistas, esse quadro é insustentável, pois não reflete uma economia em que a produtividade e o investimento crescem e geram um ciclo virtuoso.
Ao contrário, a expansão atual ocorre especialmente na esteira do auxílio emergencial a famílias vulneráveis, que tem término previsto para o fim do ano. Essas transferências, que eram de R$ 600 e caíram para R$ 300, sustentaram um ritmo forte de consumo até setembro -quando indicadores como do comércio voltaram aos níveis pré-crise. De lá para cá, porém, o indicador se estabilizou.
O auxílio emergencial, avaliam, também ajudou a conter o aumento do desemprego.
"Provavelmente, há trabalhadores que não aparecem na estatística de desocupação porque estão recebendo o auxílio e, portanto, não têm buscado uma vaga", afirma Ottoni, que é também professor da Uerj e pesquisador do Ibre-FGV.
Isso ajuda a explicar, segundo ele, por que a taxa de participação -que expressa a fatia da população em idade ativa ocupada ou buscando emprego- despencou nos últimos meses.
No início de 2020, 61% dos brasileiros de 14 anos ou mais trabalhavam ou procuravam uma vaga. Nos três meses encerrados em agosto, essa média havia caído para 54,7%, menor nível registrado desde o início da série do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2012.
Como revelou reportagem publicada pela Folha de S.Paulo, essa queda foi mais marcante entre jovens de 18 a 24 anos.
Muito afetados também por demissões, os trabalhadores dessa faixa etária podem ter desistido de buscar temporariamente uma vaga porque suas famílias -ou eles próprios- vêm recebendo o auxílio.
Com a suspensão do benefício, eles tendem a retomar a busca por uma ocupação.
Esse movimento, somado ao provável aumento das demissões nas empresas, tende a provocar uma disparada na taxa de desemprego.
Uma indicação de quanto a desocupação pode aumentar é dada pela evolução ainda contida das demissões no mercado formal.
Nos 14 meses anteriores a março deste ano, ocorria uma média de 1,3 milhão de demissões por mês no país. Embora esse número tenha tido expressivo avanço em março e abril, desde então -após a criação do programas de suspensão de contrato ou redução de jornada e salário- ele caiu e se estabilizou em um nível cerca de 16% abaixo do período pré-pandemia.
A expectativa de analistas é que esse ritmo de desligamentos tenha forte aumento no início do próximo ano, contribuindo para uma elevação na taxa de desocupação, hoje em 14,4%, segundo o IBGE.
A iDados espera que o desemprego, hoje em 14,4%, chegue a 17,3% em março de 2021. A projeção, que era de um aumento para 16,6%, acaba de ser revista.
Segundo Donato, da LCA, a própria crise sanitária pode contribuir para uma nova piora do mercado de trabalho.
"A crise está muito profunda, tem uma nova onda de Covid-19 na Europa. Isso vai afetar de forma negativa o cenário global, atingindo o Brasil", afirma o economista.
A LCA projeta que o país retome o nível de emprego registrado em fevereiro (93,7 milhões de trabalhadores ocupados, incluindo o mercado informal) apenas em novembro do próximo ano.
"O viés para 2021 é de baixa. O risco de terminarmos o ano que vem com saldo na geração de empregos que não supere o patamar pré-crise é concreto", afirma Donato.
Ele ressalta que a frágil situação fiscal do governo dificulta a postergação do programa de auxílio de renda a curto prazo. O ministro Paulo Guedes (Economia) já disse que, caso a pandemia se agrave no país, o auxílio emergencial será prorrogado, mas em um patamar inferior ao atual.
Na sexta-feira (13), Guedes reconheceu que é difícil manter o ritmo de criação de vagas que houve no terceiro trimestre do ano.
"Foram 100 mil [vagas abertas] em julho, 200 mil em agosto e 300 mil em setembro. O ritmo está tão forte que talvez seja difícil manter", afirmou o ministro, em evento virtual promovido pela AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), após dizer que o país está saindo da recessão.
As perspectivas são agravadas ainda pelo enfraquecimento do mercado informal após a pandemia.
A informalidade funciona como um "colchão" de segurança para o trabalhador CLT que é demitido. Esse efeito foi bastante marcante na recessão de 2014 a 2016, quando o número de trabalhadores atuando por conta própria ou sem carteira assinada disparou.
Neste ano, porém, essa válvula de escape parece ter sido bloqueada. Desde a eclosão da pandemia, o mercado informal encolheu. Apenas no trimestre encerrado em agosto, a queda foi de mais de 25%.
Em parte, isso pode ser consequência da saída temporária e voluntária de trabalhadores autônomos do universo laboral, enquanto recebem o benefício emergencial pago pelo governo.
Mas há também mudanças em curso no comportamento dos consumidores, que podem ter um impacto negativo duradouro -ou até permanente- sobre o mercado informal.
Uma delas é a tendência a evitar contato pessoal em consequência do risco de contágio pela Covid-19. A outra é a provável continuação do consumo crescente pela internet.
Esse segundo movimento tem outros efeitos colaterais sobre o mercado de trabalho.
A demanda por profissionais com formação em tecnologia tem aumentado.
No auge da pandemia, foram eliminados 645 postos formais de profissionais de informática. Mas, diferentemente do que ocorre com outras profissões, desde julho a demanda por esses profissionais registra forte alta, levando a um saldo positivo de 7.700 vagas criadas no terceiro trimestre.
O problema é que as máquinas e a inteligência artificial também substituem trabalhadores. No Brasil, isso já vinha levando à destruição de vagas como as de auxiliares em escritórios e assistentes administrativos, e essa tendência ganhou fôlego neste ano.
Por isso, segundo especialistas, a única forma de o Brasil alcançar um ritmo saudável e sustentável de criação de emprego é superar os problemas que, nos últimos anos, têm limitado os investimentos.
"É provável que o governo precise adotar ou prorrogar medidas emergenciais que atenuem o efeito do aumento do desemprego em 2021. Mas, a médio prazo, a única solução é o crescimento econômico", afirma Ottoni.
Até na engenharia -carreira associada à escassez de talentos no país- tem faltado demanda. As 3.300 vagas de engenheiros e arquitetos eliminadas no auge da crise ainda são mais do que o triplo das 900 criadas no terceiro trimestre.
Embora alguns segmentos -como construção civil e informática- tenham sido menos afetados ou até beneficiados, o balanço geral ainda é bastante negativo.
As demissões ocorridas no mercado formal brasileiro entre março e junho ultrapassaram as contratações em 1,6 milhão. A cifra é mais do que o dobro das 697 mil criadas entre julho e setembro.
É normal que a retomada após um choque brusco e intenso não seja relâmpago. Contratações e desligamentos são processos burocráticos e caros. Além disso, nem sempre a economia reage rapidamente.
No caso atual brasileiro, porém, as projeções têm piorado, e economistas esperam um retrocesso no lento movimento de criação de vagas, levando o desemprego a disparar em 2021.
"Se o problema fosse o país repor as quase 900 mil vagas formais perdidas desde a crise, ele não seria tão grande", afirma Cosmo Donato, economista da LCA.
Segundo ele, o efeito pior da crise -que ainda não apareceu totalmente- se manifestará, em parte, sob a forma de mais demissões quando acabar a estabilidade de emprego garantida aos trabalhadores de empresas que aderiram aos programas de redução de salário ou suspensão de contrato de trabalho.
O economista Bruno Ottoni, da consultoria iDados, concorda com o diagnóstico:
"Sem uma retomada econômica forte, é difícil imaginar que as empresas conseguirão evitar as demissões quando seu compromisso de manter a estabilidade dos funcionários acabar".
Existe um consenso entre analistas de que a deterioração do mercado de trabalho teria sido muito mais severa caso o governo federal não tivesse oferecido às empresas a possibilidade de reduzir salários e suspender a jornada de seus funcionários durante a crise, desde que garantissem a manutenção do emprego.
Prorrogado até este mês, esse benefício exige como contrapartida que os trabalhadores afetados tenham estabilidade no trabalho pelo tempo equivalente ao que seus contratos foram alterados.
O melhor cenário seria que a economia tivesse tempo de se recuperar totalmente, nesse intervalo. Um olhar restrito aos dados recentes pode sugerir que isso tem ocorrido.
A produção da indústria e a confiança empresarial, por exemplo, já estão ligeiramente acima de seus patamares anteriores à pandemia.
Mas, segundo especialistas, esse quadro é insustentável, pois não reflete uma economia em que a produtividade e o investimento crescem e geram um ciclo virtuoso.
Ao contrário, a expansão atual ocorre especialmente na esteira do auxílio emergencial a famílias vulneráveis, que tem término previsto para o fim do ano. Essas transferências, que eram de R$ 600 e caíram para R$ 300, sustentaram um ritmo forte de consumo até setembro -quando indicadores como do comércio voltaram aos níveis pré-crise. De lá para cá, porém, o indicador se estabilizou.
O auxílio emergencial, avaliam, também ajudou a conter o aumento do desemprego.
"Provavelmente, há trabalhadores que não aparecem na estatística de desocupação porque estão recebendo o auxílio e, portanto, não têm buscado uma vaga", afirma Ottoni, que é também professor da Uerj e pesquisador do Ibre-FGV.
Isso ajuda a explicar, segundo ele, por que a taxa de participação -que expressa a fatia da população em idade ativa ocupada ou buscando emprego- despencou nos últimos meses.
No início de 2020, 61% dos brasileiros de 14 anos ou mais trabalhavam ou procuravam uma vaga. Nos três meses encerrados em agosto, essa média havia caído para 54,7%, menor nível registrado desde o início da série do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2012.
Como revelou reportagem publicada pela Folha de S.Paulo, essa queda foi mais marcante entre jovens de 18 a 24 anos.
Muito afetados também por demissões, os trabalhadores dessa faixa etária podem ter desistido de buscar temporariamente uma vaga porque suas famílias -ou eles próprios- vêm recebendo o auxílio.
Com a suspensão do benefício, eles tendem a retomar a busca por uma ocupação.
Esse movimento, somado ao provável aumento das demissões nas empresas, tende a provocar uma disparada na taxa de desemprego.
Uma indicação de quanto a desocupação pode aumentar é dada pela evolução ainda contida das demissões no mercado formal.
Nos 14 meses anteriores a março deste ano, ocorria uma média de 1,3 milhão de demissões por mês no país. Embora esse número tenha tido expressivo avanço em março e abril, desde então -após a criação do programas de suspensão de contrato ou redução de jornada e salário- ele caiu e se estabilizou em um nível cerca de 16% abaixo do período pré-pandemia.
A expectativa de analistas é que esse ritmo de desligamentos tenha forte aumento no início do próximo ano, contribuindo para uma elevação na taxa de desocupação, hoje em 14,4%, segundo o IBGE.
A iDados espera que o desemprego, hoje em 14,4%, chegue a 17,3% em março de 2021. A projeção, que era de um aumento para 16,6%, acaba de ser revista.
Segundo Donato, da LCA, a própria crise sanitária pode contribuir para uma nova piora do mercado de trabalho.
"A crise está muito profunda, tem uma nova onda de Covid-19 na Europa. Isso vai afetar de forma negativa o cenário global, atingindo o Brasil", afirma o economista.
A LCA projeta que o país retome o nível de emprego registrado em fevereiro (93,7 milhões de trabalhadores ocupados, incluindo o mercado informal) apenas em novembro do próximo ano.
"O viés para 2021 é de baixa. O risco de terminarmos o ano que vem com saldo na geração de empregos que não supere o patamar pré-crise é concreto", afirma Donato.
Ele ressalta que a frágil situação fiscal do governo dificulta a postergação do programa de auxílio de renda a curto prazo. O ministro Paulo Guedes (Economia) já disse que, caso a pandemia se agrave no país, o auxílio emergencial será prorrogado, mas em um patamar inferior ao atual.
Na sexta-feira (13), Guedes reconheceu que é difícil manter o ritmo de criação de vagas que houve no terceiro trimestre do ano.
"Foram 100 mil [vagas abertas] em julho, 200 mil em agosto e 300 mil em setembro. O ritmo está tão forte que talvez seja difícil manter", afirmou o ministro, em evento virtual promovido pela AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), após dizer que o país está saindo da recessão.
As perspectivas são agravadas ainda pelo enfraquecimento do mercado informal após a pandemia.
A informalidade funciona como um "colchão" de segurança para o trabalhador CLT que é demitido. Esse efeito foi bastante marcante na recessão de 2014 a 2016, quando o número de trabalhadores atuando por conta própria ou sem carteira assinada disparou.
Neste ano, porém, essa válvula de escape parece ter sido bloqueada. Desde a eclosão da pandemia, o mercado informal encolheu. Apenas no trimestre encerrado em agosto, a queda foi de mais de 25%.
Em parte, isso pode ser consequência da saída temporária e voluntária de trabalhadores autônomos do universo laboral, enquanto recebem o benefício emergencial pago pelo governo.
Mas há também mudanças em curso no comportamento dos consumidores, que podem ter um impacto negativo duradouro -ou até permanente- sobre o mercado informal.
Uma delas é a tendência a evitar contato pessoal em consequência do risco de contágio pela Covid-19. A outra é a provável continuação do consumo crescente pela internet.
Esse segundo movimento tem outros efeitos colaterais sobre o mercado de trabalho.
A demanda por profissionais com formação em tecnologia tem aumentado.
No auge da pandemia, foram eliminados 645 postos formais de profissionais de informática. Mas, diferentemente do que ocorre com outras profissões, desde julho a demanda por esses profissionais registra forte alta, levando a um saldo positivo de 7.700 vagas criadas no terceiro trimestre.
O problema é que as máquinas e a inteligência artificial também substituem trabalhadores. No Brasil, isso já vinha levando à destruição de vagas como as de auxiliares em escritórios e assistentes administrativos, e essa tendência ganhou fôlego neste ano.
Por isso, segundo especialistas, a única forma de o Brasil alcançar um ritmo saudável e sustentável de criação de emprego é superar os problemas que, nos últimos anos, têm limitado os investimentos.
"É provável que o governo precise adotar ou prorrogar medidas emergenciais que atenuem o efeito do aumento do desemprego em 2021. Mas, a médio prazo, a única solução é o crescimento econômico", afirma Ottoni.
Por Folhapress
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