Além de enfrentar resistências políticas e limitações orçamentárias, o plano de ataque apresentado pelo ministro Paulo Guedes (Economia) para dar impulso eleitoral ao governo deve esbarrar em travas na legislação.
Uma das medidas apresentadas em entrevista à Folha prevê o direcionamento de recursos de estatais para programas sociais.
O ministro afirma que formulou proposta para repassar verba de privatizações e de distribuição de dividendos das empresas públicas a um fundo, cujo objetivo seria alimentar ações sociais.
"Agora vem a eleição? Nós vamos para o ataque", disse o ministro. "Vamos devolver as estatais ao povo brasileiro. Cada estatal vendida dá ganho de capital para o povo. E se não vender? Pega um pedaço dos dividendos e coloca para eles. Cria um fundo de distribuição de riqueza, capitalismo popular."
Na semana passada, Guedes sugeriu que, para cada companhia privatizada, o governo poderia direcionar 80% dos recursos arrecadados para abater a dívida pública e 20% para programas sociais.
O economista José Roberto Afonso, professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), lembra que a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) proíbe o governo de usar dinheiro das privatizações para bancar ações sociais.
O artigo 44 da lei, que trata da preservação do patrimônio público, veda a aplicação de receitas da alienação de bens para o financiamento de gastos correntes, exceto se o direcionamento for para custear benefícios previdenciários.
Segundo o economista, no caso específico do repasse de dividendos para programas sociais, não há impedimento.
Ele pondera que a ideia vai contra o discurso de Guedes, que é um defensor do uso dos recursos de empresas estatais e bancos públicos para o abatimento da dívida pública.
"Ele está propondo usar recursos dos bancos e das estatais para pagar benefícios, seja o Bolsa Família, seja o auxílio emergencial", disse. "Não é ilegal, como no caso da privatização, mas é contraditório com a política econômica."
Para 2021, o governo espera arrecadar R$ 16,5 bilhões em dividendos de estatais, sendo R$ 5 bilhões do BNDES e R$ 4,3 bilhões da Petrobras.
No entanto, análise de anos anteriores mostra que esse tipo de receita varia muito em relação ao previsto no Orçamento. No ano passado, foram arrecadados R$ 6,6 bilhões --apenas metade do esperado. Em 2019, o valor passou de R$ 21 bilhões, bem acima dos quase R$ 8 bilhões previstos.
O especialista em contas públicas e analista do Senado Leonardo Ribeiro afirma que o plano de usar recursos das privatizações é ilegal e fiscalmente irresponsável.
Para ele, o uso de uma fonte limitada e incerta para atender a uma necessidade corrente é injusto com as gerações futuras, contrariando o discurso apregoado por Guedes nos últimos anos.
Ribeiro diz que, além de descumprir a LRF, o que deixaria Jair Bolsonaro sujeito a um processo de impeachment, a medida infringiria a chamada lei de crimes fiscais.
"Ordenar despesa não autorizada por lei. Guedes pode pegar de um a quatro anos de prisão. Ele pode ser preso se fizer isso que está querendo, a não ser que rasguem a legislação", disse.
Na avaliação do economista, se o governo eventualmente optasse por flexibilizar a LRF, daria uma sinalização ainda mais grave. "Aí a gente estaria flertando com a institucionalização da irresponsabilidade fiscal", afirmou.
O Ministério da Economia afirmou que não faria comentários sobre a proposta apresentada por Guedes.
Outro limitador para o plano do ministro é a Lei Eleitoral, que impede a ampliação de gastos sociais em ano de eleição. Por isso, o governo teria de propor, negociar e aprovar o novo programa ainda em 2021, além de incluí-lo no Orçamento de 2022.
No início de maio, Guedes declarou que, ao criar o Bolsa Família, o PT merecidamente conseguiu vencer quatro eleições seguidas. Para ele, o programa de transferência de renda aos mais pobres foi uma "belíssima iniciativa".
Aliados de Bolsonaro contam com a ampliação dos gastos na área social para que a avaliação do presidente melhore --ou ao menos que a rejeição caia-- até a campanha de reeleição no próximo ano.
Presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR) questiona o plano de Guedes ao prever um novo programa social, mais amplo que o Bolsa Família, usando recursos de privatizações.
"Ele [Guedes] quer vender a casa para comprar comida. Essa não é uma cabeça de proteger o povo, e sim de vender o Estado para dar um pouquinho de comida para o povo."
A equipe econômica ainda terá de lidar com resistências do Congresso e de Bolsonaro à fusão de ações sociais existentes hoje. O presidente já disse ser contra a incorporação de programas colocados à mesa de negociação por Guedes.
A restrição nas contas do governo é outro fator que dificulta a implementação não só do novo Bolsa Família mas também do sistema para qualificar e inserir jovens no mercado de trabalho.
Na semana passada, o ministro reconheceu a dificuldade para lançar o BIP (Bônus de Inclusão Produtiva), assistência que seria paga pelo governo como uma espécie de bolsa para pessoas que façam treinamentos nas empresas.
Essa seria mais uma marca eleitoral defendida por Guedes. Ele disse, no entanto, que tem interesse em criar um modelo com duração de um ano e ainda não encontrou fonte de verba para financiá-lo.
Há dúvidas no governo sobre a justificativa de urgência para embasar o uso de recursos fora do teto de gastos neste ano. Além disso, é pequena a margem no Orçamento para bancar o programa em 2022.
A principal âncora fiscal do país --a regra do teto de gastos-- é também o principal limitador para a ampliação das despesas na área social. Por isso, antes de reformular o cardápio de programas sociais, é necessário encontrar recursos para bancar os projetos.
Por Bernardo Caram e Thiago Resende | Folhapress
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