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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Putin ataca cidades da Ucrânia; Kiev fala em invasão total

Após quatro meses de crise com o Ocidente, a Rússia decidiu atacar a Ucrânia nesta quinta (24) e estabelecer uma presença militar no Donbass (leste do vizinho), naquilo que Kiev classificou do começo de uma invasão total.

Há explosões ouvidas em diversos pontos do país, e o governo da Ucrânia afirma que soldados russos desembarcaram em Odessa, importante porto do mar Negro no sul do país, e cruzaram a fronteira perto de Kharkiv. Ainda não há confirmação disso.

Em pronunciamento às 5h45 (23h45 da quarta, 23, em Brasília), o presidente Vladimir Putin disse que anunciou uma operação militar para "proteger a população do Donbass", região do vizinho na qual ele reconheceu áreas rebeldes pró-Rússia na segunda (21).

Há sinais claros de um ataque amplo, mas se sabe se é uma invasão total nos termos colocados por Kiev e pelo Ocidente. Putin disse estar cumprindo o que havia prometido: enviar tropas para apoiar as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk.


"A invasão da Ucrânia começou", afirmou por sua vez o ministro do Interior ucraniano, Denis Monastirski, citando ataques com artilharia e mísseis. "É uma invasão total", disse seu colega chanceler, Dmitro Kuleba no Twitter. O país decretou lei marcial, fechou seu espaço aéreo. O presidente Volodimir Zelenski divulgou vídeo afirmando que os russos atacaram pontos de fronteira e infraestrutura militar do país. "Fique calmos", disse, afirmando que o presidente Joe Biden prometeu apoio dos EUA.

"Por tudo o que estamos vendo até aqui, e é preciso mais clareza, parece mesmo ser uma invasão", disse por telefone um dos principais analistas militares russos, Ruslan Pukhov, diretor do Centro de Análise de Estratégias e Tecnologias, de Moscou.

Há relatos de explosões em várias cidades. Equipes da TV CNN as ouviram ao longe na capital Kiev e em Kharkiv, importante centro no leste do país. Sirenes antiaéreas começaram a soar na capital às 7h06 locais (2h06 em Brasília). Segundo disse por telefone um morador de Rostov-do-Don à Folha, Mariupol está sob fogo também.


A cidade portuária no mar Negro fica a 180 km da capital da região de Rostov e é um ponto importante perto da chamada linha de contato, a fronteira de 430 km entre os rebeldes pró-Rússia e as forças ucranianas.

É incerto o que acontece lá: se os russos estão fazendo o que Putin anunciou, "desmilitarizar" a região em torno das ditas república rebeldes, ou se é o prenúncio para algum tipo de invasão militar. Esta é a questão central que preocupa planejadores ocidentais desde a segunda.

Quando Putin anunciou que iria enviar tropas quando a situação exigisse para apoiar o Donbass, não deixou claro se falava das fronteiras atuais, estabelecidas após uma guerra civil que já matou 14 mil desde 2014, ou aquelas anteriores, das antigas províncias ucranianas de Donetsk e Lugansk.


Mas há indícios mais perturbadores. Repórteres em Kiev falam e queda de energia em alguns bairros, e há relatos de que as defesas antiaéreas ucranianas foram atingidas em diversos pontos. Isso significa a intenção de manter a superioridade no ar, o que costuma prenunciar uma invasão terrestre.

Mas também pode significar que um dos cenários pintados por analistas possa estar em curso: a incapacitação das Forças Armadas de Kiev, combinada com uma ação mais pontual no Donbass. Se houver mesmo uma invasão de Odessa e Karkhiv, estamos falando de algo maior. A esta altura, não é possível saber.

O presidente americano, Joe Biden, que desde janeiro fala em "invasão iminente" dos russos, afirmou que o país "será responsabilizado" pelos ataques. Até aqui, contudo, o líder do país que comanda a Otan, a aliança militar ocidental, só anunciou sanções econômicas e prometeu outras ainda mais duras em caso de ação armada de Putin.

A Ucrânia não é parte da Otan, então seus 30 membros não devem a defender, como ocorreria se fosse com qualquer um dos integrantes do clube. O desejo do governo pró-Ocidental que tomou o poder em 2014 era exatamente entrar na aliança, assim como na União Europeia.

Visando evitar a chegada do arcabouço ocidental à sua mais importante fronteira, assim como a da aliada ditadura de Belarus, Putin interveio na crise oito anos atrás anexando a Crimeia e fomentando a guerra civil que agora pretende resolver "manu militari" no leste do país.

Em seu comunicado, Putin disse que não poderia tolerar mais ameaças do vizinho e que as circunstâncias demandavam uma ação decisiva da Rússia. O presidente defendeu a opção pela operação para "proteger as pessoas" e que não quer ocupar território.


Mais importante, pediu para que a Ucrânia baixe as armas no leste e fez uma advertência sombria às potências estrangeiras. "Para qualquer um que considerar interferir de fora: se você o fizer, irá enfrentar consequências maiores do que qualquer uma que enfrentou na história. Todas as decisões relevantes foram tomadas, eu espero que você me ouça", afirmou.

São palavras de retórica incendiária, mas sempre é bom lembrar que no sábado passado (19), o autor dela comandou um grande exercício militar demonstrando capacidades de ataque nuclear por solo, ar e mar. Novamente: a Terceira Guerra Mundial não parece provável porque o próprio Biden já disse que na Otan não interviria militarmente, mas os riscos estão todos colocados.

A ação culmina quatro meses de tensão. Putin mobilizou cerca de 150 mil a 190 mil soldados em torno do país, segundo o Ocidente, e emitiu um ultimato para que a Otan pare de se expandir e que nunca absorva a Ucrânia, entre outros pontos. O russo reclama desde então que o Ocidente, que rejeitou as demandas, não ouviu ele falar sobre "linhas vermelhas".

Até aqui, as tropas mobilizadas davam credibilidade à ameaça russa. Nesta quinta, foram além disso.

O anúncio foi feito exatamente ao mesmo tempo que uma reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU debatia a crise. Na abertura da reunião, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, fez um pedido claro ao líder russo. "Se uma operação está sendo preparada, eu realmente digo do fundo do coração: impeça suas tropas de atacar a Ucrânia. Dê uma chance a paz. Muitas pessoas já morreram".


Mais cedo na quarta, Putin dissera que estava disposto a negociar uma solução diplomática para a crise com o Ocidente, desde que respeitados os "interesses e a segurança" de seu país. Para ele, "inegociáveis".

Do outro lado da fronteira, o Parlamento da Ucrânia aprovou nesta quarta-feira (23) uma declaração de estado de emergência válida para todo o país, exceto para as duas regiões no leste, onde já há uma medida do tipo em vigor desde 2014.

Nessa situação, o governo pode impor restrições de deslocamento, na distribuição de informações e no que é divulgado na mídia, além de introduzir conferência de documentos de cidadãos.

Segundo havia dito mais cedo Zelenski, um comediante sem experiência na política eleito de surpresa em 2019, seu país está cercado. "O povo ucraniano quer paz. O governo da Ucrânia quer paz e está fazendo tudo o que pode para alcançá-la", afirmou.

Por Igor Gielow | Folhapress / Extraída do BN

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