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quarta-feira, 30 de março de 2022

Uma em cada três crianças com deficiência é vítima de violência, aponta estudo

A pesquisa, publicada no último dia 15 no periódico especializado The Lancet Child & Adolescent Health, concluiu que, em todo o mundo, 31,7% das crianças e adolescentes de 0 a 18 anos foram vítimas de violência.
Um em cada três crianças e adolescentes portadores de deficiência (motora, sensorial ou cognitiva) já sofreu algum tipo de violência, seja ela física, psicológica ou sexual. O dado faz parte de um estudo global divulgado recentemente.

A pesquisa, publicada no último dia 15 no periódico especializado The Lancet Child & Adolescent Health, concluiu que, em todo o mundo, 31,7% das crianças e adolescentes de 0 a 18 anos foram vítimas de violência.

Além disso, o trabalho aponta que o risco de uma criança ou adolescente com deficiência ser vítima de uma agressão é duas vezes maior em comparação àquelas que não possuem deficiência.

Os dados até então disponíveis sobre violência nesse grupo eram de um relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde), de 2013, que indicou um risco 3,7 vezes maior para crianças e adolescentes com deficiência sofrerem agressões, e uma estimativa de prevalência de 26,7%.

Em menos de dez anos, houve, portanto, um aumento de 5% na taxa de prevalência, apesar de um risco relativo menor de sofrer violência do que o encontrado antes no relatório da OMS, por incluir mais países na amostra.

A pesquisa do tipo metanálise foi baseada 386 artigos publicados contendo as palavras "deficiência", "violência", "crianças" e "adolescentes" nas línguas inglesa e chinesa de agosto de 2010 a setembro de 2020. Os estudos que não possuíam dados sobre o tipo de violência sofrida ou de deficiência portadora foram excluídos.

Ao final, o levantamento possuía registros de 16,8 milhões de crianças e adolescentes com deficiência, de 25 países, que haviam sofrido algum tipo de violência.

Os pesquisadores também identificaram que as crianças com algum tipo de deficiência mental (34,4%) ou com algum impedimento cognitivo ou de aprendizado (33%) são as que mais sofrem violência, enquanto as portadoras de deficiências sensoriais (27,4%), físicas (25,6%) ou de doenças crônicas (20,5%) são relativamente menos vulneráveis.

Quanto aos tipos de violência mais comuns sofridos por esses indivíduos, o maior número de registros reporta violência emocional (36,2%), seguida por física (31,7%), negligência ou abandono (19,4%) e, por fim, sexual (11,3%).

Segundo a pesquisa, quase 4 em cada 10 crianças e adolescentes com deficiência sofrem agressão de seus colegas. O bullying (37,7%) e o cyberbullying (23,4%) são os tipos mais frequentes de violência nesse contexto.

Outros agressores identificados são adultos que praticam maus-tratos (26,4%) e contatos íntimos (14,4%). O artigo destaca ainda que o risco de sofrer violência física, emocional ou sexual pelos parceiros é cerca de quatro vezes maior em adolescentes com deficiência do que entre aqueles que não são portadores de necessidades especiais.

A estimativa de violência nesse grupo de indivíduos com algum tipo de vulnerabilidade, segundo os autores, possibilita identificar fatores que podem estar ligados ao problema e, assim, criar políticas públicas voltadas para as potenciais vítimas.

Para o psicólogo Denis Ferreira, professor do Centro Universitário Várzea Grande em Cuiabá e doutorando em Saúde Coletiva na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, na última década cresceram os estudos que buscam traçar os indicadores de violência em crianças e adolescentes com deficiência e também em pessoas com essas condições na população como um todo, o que ajuda a identificar como esse grupo é hoje um dos que mais estão sujeitos a esse tipo de abuso.

"Por que o risco é maior nesse grupo? Essas crianças têm dificuldade de se comunicar e de serem levadas a sério por portarem alguma deficiência cognitiva, por às vezes estarem institucionalizadas e, por isso, serem consideradas mais violentas e problemáticas", diz.

"Uma criança que é surda e muda, por exemplo, ela não vai conseguir comunicar que sofre violência sexual, e isso é usado pelos agressores", explica.

Como em quase todos os indicadores de saúde, a pesquisa apontou também índices mais altos de violência em países de renda média e baixa em comparação aos países de renda mais alta.

"Costumo dizer que a violência não é só um tiro ou uma facada, é também a desigualdade, a falta de acesso à escola, à saúde, aos direitos. E com crianças e adolescentes com deficiência não é diferente, especialmente em um contexto em que muitos não têm sequer acesso aos espaços de educação ou de cuidado", avalia o psicólogo.

De acordo com um levantamento de 2020, cerca de 11,2% das crianças e adolescentes em todo o mundo possuem alguma deficiência mental, sensorial ou epilepsia grave.

Segundo a pediatra e responsável pelo ambulatório pediátrico de doenças crônicas e complexas do Instituto da Criança, ligado ao Hospital das Clínicas de São Paulo, Maria Lúcia Bourroul, esses índices de violência são alarmantes e expõem outro obstáculo, o olhar médico.

"Em nosso ambulatório são raros os relatos de violência sofridos pelos nossos pacientes. Isso significa que não existem? Não, é preciso considerar que muitas vezes para identificar uma agressão é preciso um olhar especializado do pediatra sobre como aquele adoecimento pode estar ligado a um passado de violência ou abuso", afirma.

Bourroul reforça ainda a importância de programas de apoio a crianças e adolescentes vítimas de violência.

"Com frequência há uma situação de esgotamento dos pais ou dos cuidadores por causa das necessidades especiais da criança, e isso pode levar a uma negligência, que é muitas vezes também difícil de ser detectada. Essa negligência pode ser emocional, psicológica", diz.

Para ela, os números devem estar subnotificados, especialmente para as violências do tipo emocional. "Além do levantamento da OMS, temos hoje dados que uma em cada dez famílias tem uma pessoa portadora de deficiência. É um contingente enorme de pessoas para ser ignorado e violentado", avalia.

Por Ana Bottallo | Folhapress | BN

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