terça-feira, 6 de dezembro de 2022

STF terá pressão de aliados de Lula e de recesso ao julgar emendas de relator

O uso dessas emendas, um instrumento usado como moeda de troca nas negociações políticas entre Planalto e Congresso, foi questionado ao Supremo por Cidadania, PSB, PSOL e PV

O STF (Supremo Tribunal Federal) prevê iniciar nesta quarta-feira (7) a análise de quatro ações que questionam a constitucionalidade das chamadas emendas de relator sob dúvidas de que o julgamento será concluído ainda neste ano.

Há também o receio de petistas de que eventual decisão do Supremo contra as emendas prejudique a relação dos aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

 

O uso dessas emendas, um instrumento usado como moeda de troca nas negociações políticas entre Planalto e Congresso, foi questionado ao Supremo por Cidadania, PSB, PSOL e PV.

 

Em tese, o Supremo só tem mais três sessões de julgamento ainda neste ano —na quarta e, depois, apenas nos dias 14 e 15. O recesso do Judiciário se inicia no próximo dia 20.

 

A ministra Rosa Weber, que além de presidente da corte é relatora das ações, pautou os casos para avaliação do Supremo apenas na última semana. Ainda assim, há outras questões a serem discutidas antes do início da análise das emendas de relator.

 

Internamente, ministros do STF e seus interlocutores consultados pela Folha acham que as sessões restantes são suficientes para que os processos sejam julgados.

 

Uma das tendências possíveis é que o STF entenda que o instrumento é legal, mas que imponha limitações a ele –por exemplo, que determine que haja mais transparência e menos direcionamento político aos recursos.

 

Atualmente, as emendas de relator são conhecidas pela pouca ou nenhuma publicidade de qual o parlamentar que as indicou e por ser usada para irrigar obras e projetos de interesses de deputados e senadores em véspera de votações que interessam ao Executivo.

 

Não será surpresa, porém, que um dos ministros peça vista (mais tempo para análise) e suspenda o julgamento por tempo indeterminado.

 

Isso porque parte dos integrantes do Supremo e advogados que atuam em causas na corte têm manifestado incômodo com a pouca antecedência com que Rosa Weber tem divulgado a pauta dos julgamentos.

 

Nos últimos anos, os presidentes do STF vinham pautando a maioria das ações com meses de antecipação.

 

Esse pouco tempo para análise dos processos e elaboração dos votos pode ser usado como justificativa para um eventual pedido de vista.

 

No PT, aliados de Lula se dividem sobre qual seria o melhor cenário para o futuro dessas emendas.

 

Uma ala tem receio de que eventual decisão do Supremo contra as emendas possa implodir a aproximação do governo eleito com Arthur Lira.

 

A cúpula do Congresso controla a divisão da verba das emendas, que são usadas por deputados e senadores para o envio de dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais.

 

Se o STF declarar o fim das emendas de relator, o petista pode ser já cobrado por uma solução que mantenha o poder do centrão sobre o Orçamento.

 

Outro grupo de aliados de Lula sustenta que o melhor cenário para o novo governo seria o Supremo enterrar as emendas de relator, devolvendo ao Executivo o poder sobre essa fatia do Orçamento. Ou seja, fortalecendo os ministérios de Lula.

 

Apesar das diferentes avaliações, auxiliares do petista e interlocutores dele com o STF afirmam que não há planos de o governo eleito tentar influenciar no julgamento. Isso poderia azedar a relação com o Congresso num momento em que Lula ainda tenta construir uma base governista.

 

Parlamentares próximos ao presidente eleito já sinalizaram à cúpula da Câmara e do Senado que há brecha para o diálogo sobre esse tema, já que programas de interesse do PT na área de habitação e saúde, por exemplo, realizam obras que podem atender a demandas das bases eleitorais dos parlamentares.

 

Integrantes do Judiciário têm conversado com a cúpula do Congresso para tentar pacificar o assunto. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), defende nos bastidores que as emendas de relator sejam distribuídas após comum acordo entre o Executivo e o Congresso. Assim, as emendas podem ser usadas como instrumento de "Estado".

 

Durante a campanha, Lula já falou que a emenda de relator era a "maior bandidagem já feita em 200 anos" e que o Parlamento nunca "esteve tão deformado como está agora" —chamou inclusive de pior Congresso da história do Brasil.

 

O petista também disse que há um excesso de poder nas mãos de Lira. No entanto, o tom do partido e do presidente eleito mudou após o resultado das urnas.

 

A principal crítica do partido agora tem sido a questão da transparência. Por esse motivo, Rosa Weber chegou a suspender a liberação dessas emendas no ano passado.

 

Como resposta, o Congresso criou um sistema para divulgar informações sobre o destino e beneficiários das emendas.

 

No entanto, parlamentares próximos à cúpula do Legislativo têm usado uma brecha nas regras para destinar emendas às suas bases eleitorais sem revelar o padrinho político do recurso. Para isso, elas são registradas por um usuário externo, que pode ser qualquer pessoa.

 

Quase 1/3 da verba já negociada em emendas de relator –e divulgada até hoje– atende a solicitações que não foram apresentadas por deputados e senadores. Mas a divisão desses recursos continuou privilegiando aliados políticos do Palácio do Planalto.

 

Dos R$ 16,5 bilhões disponíveis para essas emendas neste ano, o Congresso divulgou o destino de R$ 12 bilhões.

 

Contudo, pessoas envolvidas nas negociações dizem que mais emendas já foram prometidas a parlamentares e, com isso, o ministério responsável pela obra já foi informado –mas a divulgação do beneficiário será feita apenas no fim do ano.

 

As três primeiras ações contra as emendas de relator foram apresentadas em 2021 por PSB, PSOL e Cidadania, e questionavam o uso dos recursos em tratativas do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) com o Congresso.

 

A quarta ação, do PV, foi apresentada em setembro de 2022, e reforçava os argumentos anteriores.

 

A ação do PSOL é a mais ampla. O partido afirma que as emendas de relator em si são inconstitucionais porque permitiram "o uso da execução orçamentária como instrumento de barganha e troca de apoio político".

 

A possibilidade de pedido de vista é apontada como benéfica por integrantes da equipe de Lula, pois evitaria um eventual impacto nas articulações para aprovar a PEC da Transição.

 

ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES

 

O que são emendas de relator?

Mecanismo ficou conhecido como orçamento secreto. São também identificadas como RP9. É uma ferramenta que permite que parlamentares façam o requerimento de verba da União sem detalhes como identificação ou mesmo destinação dos recursos.

 

Quando será o julgamento?

A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Rosa Weber, marcou para a próxima quarta-feira (7)

 

Quais as críticas?

Os questionamentos são em relação à transparência sobre a destinação dos recursos. Muitas vezes o instrumento é usado como moeda de troca nas negociações políticas entre Planalto e Congresso.

 

Quais as suspeitas?

Nos últimos meses, o assunto ganhou notoriedade ao ser atrelado a suspeitas de fraudes e corrupção utilizando o dinheiro público, como nas compras de caminhão de lixo e a licitação bilionária do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a aquisição de ônibus escolares.

 

Quem apresentou ação no STF?

As ações que serão avaliadas foram apresentadas em 2021 por Cidadania, PSB, PSOL e PV

 

O que o STF já decidiu antes?

Em novembro de 2021, Rosa Weber determinou que o Congresso compartilhasse todas as informações referentes às emendas de relator. Os documentos entregues pelo Congresso ao STF em resposta às ações, em maio deste ano, seguiram sem dar transparência à destinação da verba política e driblaram decisão dos ministros da corte.

 

Quando foram criadas as emendas de relator?

Em 2019, no projeto de lei do Congresso Nacional número 51.

 

O que são emendas parlamentares?

De acordo com a Constituição brasileira, as emendas parlamentares são um instrumento do Congresso Nacional para participar da elaboração do orçamento anual. A emenda de relator é um desses mecanismos

 

Quais as diferenças para as outras emendas?

A emenda de relator (RP9) permite ao relator-geral do Ploa (Projeto de Lei Orçamentária Anual) alterar ou incluir despesas. A emenda se diferencia das demais (são quatro no total) porque é definida pelo deputado ou senador escolhido como relator-geral do Orçamento a cada ano. Além disso, ao contrário das outras, não há critério definido quanto ao destino do dinheiro

 

Qual o valor?

No orçamento de 2021, as emendas de relator foram de R$ 18,5 bilhões –para comparação, as individuais, outro tipo de emenda, custaram R$ 9,6 bilhões; as de bancada, R$ 7,3 bilhões; e, as de comissão, zero.


Por Folhapress | Extraída do BN


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