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sábado, 12 de agosto de 2023

17 anos da Lei Maria da Penha; conheça mitos e verdades

A Lei possui 17 anos e segue protegendo mulheres da violência doméstica
No decorrer deste mês de agosto, celebramos os 17 anos da Lei Maria da Penha, um marco crucial ao introduzir a qualificadora de violência doméstica nos casos de lesões corporais estabelecidas pelo Código Penal. A relevância dessa legislação torna-se ainda mais evidente no contexto atual. Em 2022, por exemplo, o Brasil registrou 1,4 mil casos de mulheres vítimas de feminicídio, ressaltando a necessidade contínua dessa política.

Relevância internacional
Para além da sua relevância em âmbito nacional, o caso da Sra. Maria da Penha viabilizou a exposição da pauta da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil também internacionalmente.

“A principal importância da lei pode ser traduzida em um conjunto de grandes marcos para o direito das mulheres, tais quais a criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e as importantes alterações legislativas que tornaram possível a alteração das sanções relacionadas à violação aos direitos das mulheres também na esfera penal”, comenta a advogada Poliane Almeida.

ABAIXO, CONFIRA ALGUNS MITOS E VERDADES SOBRE A LEI MARIA DA PENHA!

1. A Lei Maria da Penha não faz diferença

MITO. É crucial compreender que, desde sua criação, a lei desempenhou um papel importante no enfrentamento da violência doméstica, assegurando a segurança e o bem-estar das vítimas. Além de fortalecer as penalidades para agressores, a legislação também estabelece medidas de salvaguarda, como a possibilidade de afastar o agressor do domicílio da vítima, a proibição de aproximação em relação à vítima e seus familiares, acesso garantido a apoio jurídico e assistência social para as vítimas.

Mayra destaca que, apesar da necessidade de um contínuo esforço para eliminar a violência contra as mulheres, tal política é um passo de relevância rumo a uma sociedade mais justa e equitativa. “Embora ainda haja muito a ser feito para erradicar a violência contra as mulheres, a Lei Maria da Penha é um importante passo na direção de uma sociedade mais justa e igualitária”, mostra Mayra.

2. A lei já passou por mudanças conforme os anos

VERDADE. Desde 2017, a Lei Maria da Penha passou por relevantes modificações, incluindo a Lei 13.505, que estabelece a preferência pelo atendimento de mulheres em situação de violência doméstica e familiar por parte de policiais e peritos do sexo feminino. A Lei 13.641 também merece destaque, pois aborda a classificação do descumprimento das medidas protetivas de urgência como crime.

Recentemente, uma alteração foi implementada em relação às medidas protetivas de urgência, permitindo o afastamento do agressor do local de convívio com a vítima, mesmo sem autorização judicial.

3. A Lei Maria da Penha não se aplica para mulheres transgêneras

MITO. Em 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) emitiu um veredito determinando a aplicabilidade da Lei Maria da Penha a mulheres transgêneras. O Ministério Público Federal enfatizou o direito das mulheres transexuais à proteção conferida pelas medidas da Lei Maria da Penha, independentemente de terem ou não passado por cirurgia de transgenitalização. A relevância dessa decisão do STJ vai além da luta das mulheres trans, representando também um alinhamento do Brasil aos princípios internacionais dos direitos humanos.

“Além de representar uma vitória na luta dos direitos humanos, esse posicionamento representa um alinhamento do Brasil em relação às diretrizes jurisprudenciais internacionais com sistema regional de proteção dos direitos humanos”, entende Mayra Cardozo.

4. A aplicação da lei ainda pode melhorar

VERDADE. Ainda que a Lei Maria da Penha represente um marco histórico indiscutível no progresso da luta pelos direitos das mulheres, subsiste um desafio substancial, de caráter estrutural e cultural, cuja solução completa a legislação não é capaz de proporcionar: a dificuldade que as vítimas enfrentam ao relatarem a violência que sofrem e ao identificarem seus agressores.

Isso ocorre devido a várias razões que envolvem o grande problema da subnotificação:
  • O medo de retaliação;
  • O constrangimento;
  • A dependência econômica;
  • A falta de preparo dos profissionais;
  • O desmerecimento;
  • O descrédito da sociedade.

“[…] A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, é completa e potente para criar e assegurar mecanismos de proteção de mulheres que se encontram em contexto de violência doméstica, entretanto a estrutura social e patriarcal da sociedade ainda apresenta demandas que apenas a legislação não seria capaz de solucionar por si só”, finaliza a advogada Poliane Almeida.

POR QUE A LEI FOI CRIADA?

O caso de Maria da Penha não foi uma exceção. Na verdade, ele apenas deixou clarividente para o Brasil e para o mundo um problema grave da justiça brasileira: a sistemática conivência com crimes de violência doméstica e a falta de instrumentos legais que possibilitam a rápida apuração e punição desses crimes, bem como a proteção imediata das vítimas.

Antes da Lei Maria da Penha, os casos de violência doméstica eram julgados em juizados especiais criminais, responsáveis pelo julgamento de crimes considerados de menor potencial ofensivo. Isso levava ao massivo arquivamento de processos de violência doméstica, conforme levantado pela jurista Carmen Hein de Campos.

Assim, na falta de instrumentos efetivos para denúncia e apuração de crimes de violência doméstica, muitas mulheres tinham medo de denunciar seus agressores. Pelo menos três fatores colaboravam para isso:
  • dependência financeira do agressor;
  • muitas vítimas não têm para onde ir. Por isso, preferiam não denunciar seus agressores por medo de sofrer represálias piores ao fazer a denúncia; e
  • as autoridades policiais muitas vezes eram coniventes com esse tipo de crime. Já que mesmo em casos em que a violência era comprovada, como foi no caso de Maria da Penha, eram grandes as chances de que o agressor saísse impune.

O QUE MUDOU COM A CRIAÇÃO DA LEI?

A Lei 11.340 – sancionada em 7 de agosto de 2006 – foi inovadora em muitos sentidos. Ela criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, algo que ainda não existia no ordenamento jurídico brasileiro (apenas era prevista a criação de uma lei desse tipo no parágrafo 80 do artigo 226 da Constituição). Confira abaixo as principais mudanças promovidas pela lei.

COMPETÊNCIA PARA JULGAR CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Antes: crimes eram julgados por juizados especiais criminais, conforme a Lei 9.099/95, onde são julgados crimes de menor potencial ofensivo.

Depois: com a nova lei, essa competência foi deslocada. Agora, ficam responsáveis pelos casos os novos juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher. Esses juizados também são mais abrangentes em sua atuação, cuidando também de questões cíveis (divórcio, pensão, guarda dos filhos, etc). Antes da Maria da Penha, essas questões deveriam ser tratadas em separado na Vara da Família.

DETENÇÃO DO SUSPEITO DE AGRESSÃO

Antes: não havia previsão de decretação de prisão preventiva ou flagrante do agressor.

Depois: com a alteração do parágrafo 9º do artigo 129 do Código Penal, passa a existir essa possibilidade.

AGRAVANTE DE PENA

Antes: violência doméstica não era agravante de pena.

Depois: o Código Penal passa a prever esse tipo de violência como agravante.

DESISTÊNCIA DA DENÚNCIA

Antes: a mulher podia desistir da denúncia ainda na delegacia.

Depois: a mulher só pode desistir da denúncia perante o juiz.

PENAS

Antes: agressores podiam ser punidos com penas como multas e doação de cestas básicas.

Depois: essas penas passaram a ser proibidas no caso de violência doméstica.

MEDIDAS DE URGÊNCIA

Antes: como não havia instrumentos para afastar imediatamente a vítima do convívio do agressor, muitas mulheres que denunciavam seus companheiros por agressões ficavam à mercê de novas ameaças e agressões de seus maridos. Dessa forma, não era raro que eles dissuadissem as vítimas de continuar o processo.

Depois: o juiz pode obrigar o suspeito de agressão a se afastar da casa da vítima. Além disso, o agressor ficaria proibido de manter contato com a vítima e seus familiares, se julgado que isso fosse necessário.

MEDIDAS DE ASSISTÊNCIA

Antes: muitas mulheres vítimas de violência doméstica são dependentes de seus companheiros. Não havia previsão de assistência de mulheres nessa situação.

Depois: o juiz pode determinar a inclusão de mulheres dependentes de seus agressores em programas de assistência governamentais, tais como o Bolsa Família, além de obrigar o agressor à prestação de alimentos da vítima.

OUTRAS DETERMINAÇÕES DA LEI 11.340

Além das mudanças citadas acima, podem ser citadas outras medidas importantes:
  • a mulher vítima de violência doméstica tem direito a serviços de contracepção de emergência, além de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST’s);
  • a vítima deve ser informada do andamento do processo e do ingresso e saída da prisão do agressor;
  • o agressor pode ser obrigado a comparecer a programas de recuperação e reeducação.

E o que a Lei alterou no contexto brasileiro?

Hoje, mesmo com a implementação da Lei Maria da Penha, ainda podemos ver que o contexto brasileiro não é nada seguro para as mulheres. De acordo com dados recentes da pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Em 2018, 536 mulheres sofreram algum tipo de agressão física a cada hora;

Em 2018, a cada minuto 3 mulheres sofreram espancamento ou tentativa de estrangulamento;

No mesmo ano, 76,4% das mulheres que sofreram violência afirmam que o agressor era alguém conhecido – cônjuge, companheiro, namorado, vizinho, ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-namorado.

Ainda, 42% das vítimas apontam a casa como local da agressão.

Isso significa que a Lei não está funcionando? Não, necessariamente. Na realidade realizar a denúncia ainda é um passo muito complicado para muitas mulheres vítimas de agressão. Como mostra a pesquisa, 52% que sofreram alguma agressão no último ano ficaram caladas.

O ponto é que a violência contra as mulheres vem de uma questão muito anterior do que a própria violência: a manutenção das desigualdades de gênero. O machismo presente na sociedade brasileira é visto desde as meras relações familiares – como a divisão das tarefas domésticas – até o aumento dos números de estupros e feminicídios registrados no país em 2018.

Assim, apesar do dispositivo ter sido um grande avanço, outras questões ainda se mantém. Por exemplo, como aponta o IBGE, até 2018 só havia atendimento em delegacias especializadas em 8,3% dos municípios. Além disso, só havia casa de abrigo para acolher vítimas em 2,4% das cidades. Assim, como revela a diretora executiva do FBSP, “Fortalecer a confiança da mulher no poder público é um dos principais desafios a serem enfrentados no país”

COMO DENUNCIAR VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Denúncias de estupros, tentativas de feminicídios, feminicídios e outros tipos de violência contra a mulher podem ser feitas por meio de três telefones:
  • 197 (Disque Denúncia da Polícia Civil)
  • 180 (Central de Atendimento à Mulher)
  • 190 (Disque Denúncia da Polícia Militar – em casos de emergência)

Por Maria Rossi/O Tempo

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