sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Da tequila ao etanol, o sisal pode revolucionar sertão nordestino

Pouco usada no Brasil, a planta tem características atrativas para se expandir no semiárido; o agave (nome cientifico do sisal) precisa de 75% menos água que a cana-de-açúcar, diz estudo
O professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Gonçalo Pereira, define o agave como a “cana do semiárido nordestino”. Apesar de não ter semelhança fisiológica, assim como da cana-de-açúcar se faz cachaça, do agave se faz a famosa tequila e o mezcal. Basicamente, o ponto comum é que ambas produzem etanol, commodity que vem se valorizando na busca mundial por alternativas energéticas renováveis.


Mesmo com o histórico da produção das bebidas, o agave atualmente não é explorado com a finalidade de um biocombustível e por isso, o pesquisador vem se dedicando nos últimos anos em estudar a planta para esse fim. Empolgado, o pesquisador natural do sertão baiano não esconde o que para ele é a revolução do semiárido nordestino.   

“O plantio do agave se justifica primeiro porque a gente tem o sertão e, segundo, porque as mudanças climáticas vão afetar até mesmo a cultura de cana, e o agrave pode ser uma opção para isso”.  (Gonçalo Pereira, pesquisador da Unicamp) 

O motivo do entusiasmo é devido às características que o agave possui e que lhe conferem uma competitividade frente a outras matérias-primas utilizadas na fabricação do etanol. Ele elenca três principais.  
  • Baixa necessidade água: o agave se desenvolveu em ambientes com restrição hídrica, como é o caso da região de Jalisco, no México, partes da savana africana e do semiárido nordestino. Segundo uma pesquisa feita com a agave tequilana em 2020, essas plantas podem sobreviver com 300 milímetros de água por ano. Em comparação com o mínimo necessário para as culturas do milho e da cana, isso representa 40% e 75% a menos, respectivamente.  
  • Grande quantidade de biomassa: o mesmo estudo também mostrou que a produtividade de biomassa anualizada do agave é superior aos demais. Enquanto o milho gera de 12 a 18,5 toneladas por hectare e a cana 92 toneladas por hectare, o agave vai de 136 a 144 toneladas na mesma área.  
  • Acúmulo de frutose: outro ponto é a concentração de açúcar, ou seja, o composto químico do qual se origina o etanol. Diferente da cana que tem sacarose, o agave concentra inulina, que é uma cadeia extensa de frutose.  
Etanol de agave
São com base nessas métricas e estudos que Pereira vem fazendo testes para colocar em marcha a operação piloto de produção de etanol de agave. A ideia faz parte do programa de pesquisa BRAVE (Brazilian Agave Development – Desenvolvimento de Agave no Brasil) que além da Unicamp é feito em parceria com a Shell Brasil e com o SENAI CIMATEC.   

“O objetivo desse projeto é otimizar tudo para fazer com que o etanol do agave seja competitivo com o etanol da cana. Quem sabe até mais barato do que o etanol do milho, considerando que vamos trabalhar em regiões em que a terra ainda é muito barata”, comenta o professor.

Por isso, já no próximo ano, o projeto vai plantar cerca de 150 mil mudas de agave tequilana. Essa será a primeira vez que um número expressivo dessa variedade mexicana será plantada no Brasil. Apesar do semiárido ter uma espécie, o agave sisalana, a que vem do país norte-americano demonstra uma maior capacidade para o etanol.
Foto: Odilon Reny R. F. da Silva/Embrapa
Os “espinhos” no caminho  Com inegável potencial, o agave ainda tem alguns desafios para se tornar uma produção escalável. O professor da Unicamp vê esse cenário como oportunidade. A primeira é com relação ao tempo de maturidade das plantas.

“Nossa estratégia está sendo primeiro colocar indutores de crescimento para conseguir superar esse período de crescimento lento [do primeiro ao segundo ano]. A segunda coisa é o biochar – biocarvão usado com fertilizante. A gente viu que no agave uma aplicação de 20 toneladas por hectare mais que dobrou o tamanho das plantas. E também estamos vendo a irrigação de baixo gotejamento nos primeiros anos”, explica Pereira.  

Outro aspecto é a mecanização da colheita, porque hoje o processo acontece de forma manual, já que não existe uma colheitadeira de agave. Com isso, uma das ramificações do BRAVE é a criação de protótipos de máquinas. Além disso, também está sendo desenvolvida uma usina piloto para o recebimento, beneficiamento e produção de etanol a partir desse agave. Essa fábrica também não existe no mundo com esse grau de industrialização, o que confere o pioneirismo brasileiro nesse ponto.

Dentro desse processo fabril, uma das intenções é diminuir etapas para tornar mais barata a produção. Diferente da cana, em que a fermentação do açúcar é feita com leveduras tradicionais, a insulina do agave não é facilmente consumida por essas leveduras. Por isso, a pesquisa também já desenvolveu uma levedura capaz de otimizar esse processo.

“Como esse açúcar é um polímero, a levedura não consegue processar de forma direta, precisaria ser aquecida em alta temperatura, como os mexicanos fazem. A outra solução foi construir uma levedura geneticamente modificada que consegue quebrar esse polímero e é isso que a gente já está colocando. Temos inclusive uma levedura já patenteada”, afirma o também professor e pesquisador da Unicamp, Marcelo Carazzolle.  
Desenvolvimento e multiplicação de mudas de agave em laboratório. Foto: Fábio Raya
Um passo que também está sendo dado e com produto já registrado é um agave modificado para resistir a pesticidas. Os pesquisadores explicam que o agave cria uma espécie de microclima nas áreas do sertão que favorece o plantio de cultivares agrícolas, mas também de ervas daninhas. Por isso, a busca é também por encontrar uma espécie transgênica com capacidade para resistir ao glifosato, por exemplo. 
Experimento na Bahia com diferentes espécies de agave. Foto: Fábio Raya
Para que serve o agave e quais outros benefícios?
O potencial para o etanol é considerado a vantagem mais atrativa para esse cultivo, mas a planta também tem outros subprodutos, como o sisal. No Nordeste, a maioria do agave tem esse fim, mas apenas 5% do agave utilizado vira sisal. O restante é descartado. Pereira chegou a calcular, e por ano, somente esse descarte de uma espécie não própria para o etanol, poderia gerar 20,64 milhões de litros de biocombustível.   

Outros usos são:  
  • produção de hecogenina, um composto utilizado para produção de hormônios na indústria farmacêutica; 
  • biogás/biometano; 
  • fertilizantes; 
  • ração animal;  
  • biochar. 
O pesquisador baiano também destaca o benefício social da implementação de uma cultura como essa no sertão. “As biorrefinarias, usinas, tem uma coisa que pouquíssimas indústrias tem, é geração de mão-de-obra. Elas educam essa mão-de-obra, porque as operações são complexas”, elucida Pereira.

Investimento e novos projetos 
Além do BRAVE, outras duas iniciativas com agave estão em andamento, de acordo com o pesquisador da Unicamp, Gonçalo Pereira. Uma delas está prevista para 2025 e se trata de uma fábrica piloto da Arrakis, uma startup que surgiu dentro da pesquisa sobre o agave.   

A ideia é que ela seja um modelo de como os produtores de agave do nordeste já podem fazer para melhorar o aproveitamento da planta, que atualmente vai todo para o sisal. Segundo Pereira, a fábrica não será para produção de etanol, mas sim para sisal, biogás, biochar, ração animal e produto para fertirrigação.

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